Intolerância religiosa pode ser enfrentada pela educação

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Os dados mais recentes do Disque 100, ferramenta de denúncias de violação dos direitos humanos do Governo Federal, registrou a ocorrência, em 2023, de 1.478 denúncias de intolerância religiosa em todo o Brasil. O que equivale a um aumento de 60% em relação a 2022, quando foram registrados 898 casos dessa mesma natureza. Essa realidade mantém acesa a preocupação, sobretudo, para quem professa fé em religiões não hegemônicas, as quais, geralmente, são os principais alvos.

Os dados apontam que a maior parte das pessoas que foram vítimas de intolerância são aquelas praticantes de religiões de matriz africana, como umbanda e candomblé. Uma matéria publicada na BBC Brasil mostrou que seis em cada dez vítimas são mulheres. E só nos primeiros 20 dias de 2023, o Disque 100, registrou 58 ocorrências.

O artigo 18° da Declaração Universal dos Direitos Humanos diz o seguinte: “Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular”. A questão é que nem todo mundo interpreta da mesma forma essa artigo. E confunde liberdade com desrespeito, intolerância e, muitas vezes, essa intolerância está também impregnada de racismo.

Em julho de 2022, a Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro) divulgou o relatório “Respeite o Meu Terreiro — Mapeamento do Racismo Religioso Contra Os Povos Tradicionais de Religiões de Matriz Africana”, que ouviu 255 lideranças de comunidades tradicionais de terreiros. E, 78% dos entrevistados confirmaram que membros de suas comunidades já sofreram algum tipo de violência, seja ela verbal ou física, motivada por racismo religioso.

Para Renato Santos, da tradição candomblecista, filho de Oxossi do Ilê Axé Dajô Obá Ogodô, a intolerância religiosa atinge as religiões de matrizes africanas e ameríndias dentro e fora dos terreiros. E, para ele, seria fundamental o ensino religioso, sobretudo para as crianças de axé, que têm na escola, o primeiro lugar em que se tem contato com a intolerância, fora do próprio ambiente familiar, onde às vezes também há preconceito.

A escola acaba limitando e sendo um espaço de violação do direito à liberdade religiosa. A partir do constrangimento em que as crianças são impostas, dos ensinamentos de imposição de uma tradição religiosa divergente da que somos adeptos e, como consequência disso, temos a ruptura com a laicidade do Estado, uma vez que a nossa forma de cultuar o sagrado e a nossa tradição não é respeitada. Portanto, valorizar o ensino religioso, de maneira que contemple o conjunto das crenças e tradições religiosas é um aprofundamento da democracia e da laicidade, a partir da valorização da liberdade religiosa como sendo um elemento fundante do viver em sociedade“, opinou.

Educação como Caminho

De acordo com o professor titular de Ciências Sociais, vinculado ao Instituto Humanitas de Estudos integrados da UFRN e ex-capelão da UFRN, Orivaldo Pimentel Lopes Júnior, o Rio Grande do Norte é um dos estados com um dos melhores cursos de Ciências da Religião do país, oferecido pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Ele lembra que recentemente, inclusive, ocorreu o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, lembrado no dia 21 de janeiro.

“Esse curso prepara especialmente o professor que está nos estudos de religião nas escolas fundamentais. Esses professores ajudarão muito nossos adolescentes e jovens a terem uma visão ampla das religiões, sob o ponto de vista da tolerância, da compreensão mútua, da relação e do respeito”, acrescenta.

Porém, segundo Orivaldo Pimentel, que também é pastor e já esteve à frente do ministério da Igreja Batista Peregrina, ligada à Aliança dos Batistas, com uma proposta ecológica, que funciona no Horto de Natal, ainda são poucos os professores com essa formação que são absorvidos pelo sistema de educação. E sugere que os concursos públicos contemplem vagas para educação religiosa.

“Essa disciplina não é só sobre religião. É sobre os valores, a história das religiões, as dificuldades que enfrentaram ao longo do tempo e isso tem um valor formativo imenso na cidadania das pessoas. E já se constatou que a opção de não ter o ensino religioso nas escolas, como uma forma de manter uma separação entre a esfera pública e a esfera da religião (que está entre a esferas pública e privada) não é uma boa solução. Os países que optaram por tem uma formação sobre as manifestações religiosas nas escolas, têm tido atuação positiva no combate à intolerância“, disse ele.

As conclusões do Relatório de Liberdade Religiosa no mundo, edição 2023, da Fundação Pontifícia Católica, denominada ACN (Aid to the Church in Need, sigla em inglês), que tem sede no Vaticano, concluiu que a liberdade religiosa foi violada em países onde vivem mais de 4,9 bilhões de pessoas no mundo. E essa violência sofreu influências – levando-se em consideração no contexto global – do clima tenso afetado pelas consequências da pandemia de Covid-19, pelas consequências da guerra na Ucrânia, pelas preocupações militares e econômicas em torno do Mar da China Meridional e pelo rápido aumento do custo de vida no âmbito mundial. “Consideramos 61 países onde os cidadãos enfrentaram graves violações da liberdade religiosa”, conclui o relatório. O Brasil não consta nesse patamar das violações “graves ou extremas” deste relatório.

Os dados de cada país, usados nesse documento, foram pesquisados por jornalistas independentes, acadêmicos e autores que se encontram na região da sua especialidade, incluindo Ásia, Oriente Médio, África, Europa e Américas. Esta é a 16° edição, cujo período de análise foi de janeiro de 2021 a dezembro de 2022.

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