Justiça eleva de R$ 100 mil para R$ 500 mil indenização a ser paga pela ViaQuatro por uso de câmeras de reconhecimento facial na Linha 4 de metrô em São Paulo

justica-eleva-de-r$-100-mil-para-r$-500-mil-indenizacao-a-ser-paga-pela-viaquatro-por-uso-de-cameras-de-reconhecimento-facial-na-linha-4-de-metro-em-sao-paulo

Objetivo não era monitorar a segurança ou auxiliar a operação dos trens, mas captar a reação das pessoas diante dos anúncios publicitários nas estações

ADAMO BAZANI

A 8ª Câmara de Direito Público do TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo) elevou de R$ 100 mil para R$ 500 mil a indenização coletiva a ser paga pela ViaQuatro, concessionária da linha 4-Amarela de Metrô de São Paulo, pelo uso em 2018 de câmeras de reconhecimento facial sem o consentimento dos passageiros.

A informação foi revelada pelo repórter Fábio Pescarini, da Folha de São Paulo, e confirmada pelo Diário do Transporte na tarde desta terça-feira, 16 de maio de 2023.

O acórdão é de 10 de maio e atende parcialmente recurso do Ministério Público do Estado de São Paulo, Idec (Instituto Brasileiro de Defesa ao Consumidor) e da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

Os equipamentos foram instalados em portas de plataforma em sete estações Luz, República, Paulista, Fradique Coutinho, Faria Lima, Pinheiros e Butantã.

O objetivo não era monitorar a segurança ou auxiliar a operação dos trens, mas captar a reação diante dos anúncios publicitários nas estações.

Trata-se de um contrato com a Dual Mídia OOH Publicidade Ltda no valor de R$ 3,8 milhões (R$ 3.815.150,50 – três milhões, oitocentos e quinze mil, cento e cinquenta reais e cinquenta centavos).

O sistema ficou por cerca de dois meses em operação.

Atitude da concessionária que foi reprovada pelo relator da ação, o desembargador Antonio Celso Faria.

No entendimento do magistrado, por não haver autorização dos passageiros, é justificável impor o pagamento de indenização por dano moral coletivo.

No caso, a possibilidade de reconhecimento facial, a detecção facial, a utilização das imagens captadas dos usuários do metrô, com fins comerciais, além da ausência de prévia autorização para captação das imagens, demonstra uma conduta muito reprovável apta a atingir a moral coletiva, principalmente considerando o incalculável número de passageiros que transitam pela plataforma da ré todos os dias. Portanto, conclui-se que restou configurado o dano moral coletivo.

Ainda de acordo com o despacho de 44 páginas, que manteve o entendimento da primeira instância, a captação facial é de natureza biométrica. Sendo assim, pode ser considerado o uso de dado pessoal.

É evidente que a captação da imagem ora discutida é utilizada para fins publicitários e consequente cunho comercial, já que, em linhas gerais, se busca detectar as principais características dos indivíduos que circulam em determinados locais e horários, bem como emoções e reações apresentadas à publicidade veiculada no equipamento.

Ainda de acordo com o desembargador, o objetivo do aumento do valor da indenização é disciplinar para que a concessionária não repita a mesma prática. De acordo com a decisão, não há dúvidas de que o objetivo dos equipamentos era angariar recursos publicitários sobre os passageiros desavisados.

Reconhecido, pois, o dano moral coletivo, passo ao seu dimensionamento para prevenir a prática do mesmo tipo de ilícito e sem incorrer em enriquecimento sem causa entendo que o importe de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) se mostra suficiente. Restou incontroverso de que a captação das imagens, ora discutidas, eram utilizadas para fins publicitários e comerciais, tendo-se em vista que se buscava detectar as principais características dos indivíduos que circulavam em determinados locais e horários, bem como emoções e reações apresentadas à publicidade veiculada no equipamento.

Ainda de acordo com a decisão, o fato de a concessionária não avisar os passageiros, afronta, claramente, o direito à informação clara e adequada sobre os produtos e serviços, bem como à proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais.

O direito à privacidade dos usuários dos trens da linha 4 não foi respeitado pela ViaQuatro, de acordo com o entendimento do desembargador.

A ré, na condição de concessionária de serviço público, incumbe arcar com o risco das atividades econômicas que explora, especialmente por envolver os direitos fundamentais à intimidade, à privacidade, à imagem e à honra dos usuários consumidores, o que não ocorreu, pois utilizada as imagens dos usuários coletadas durante a prestação do serviço público para fins comerciais.

O Idec, a Defensoria e o MP queriam inicialmente R$ 100 milhões de indenização.

Em primeira instância, foi determinado o valor de R$ 100 mil, elevado para R$ 500 mil em segunda instância.

O desembargador esclareceu que o valor de R$ 100 milhões não caberia para não causar enriquecimento ilícito e porque, apesar de a captação das imagens dos passageiros ter sido sem autorização, não houve má-fé da concessionária.

Ainda que a captação indevida de imagem pudesse representar lucros expressivos à concessionária, não se vislumbra que tenha ocorrido má-fé por parte das rés a ponto de justificar os valores pedidos pelos autores na petição inicial. Nesse sentido, há de se reconhecer que o valor fixado como indenização, tem caráter didático e o seu aumento, de acordo com os pedidos dos demandantes, pode comprometer as próprias relações contratuais entre poder concedente e concessionário e as previsões arrecadatórias da concessionária com empresas terceirizadas, o que inclusive tem previsão contratual.

OUTRO LADO:

Por meio de nota, a ViaQuatro diz que avalia a possibilidade de recurso e que a tecnologia não coletava dados pessoais, por não memória ou qualquer ligação com banco de dados que permitisse o reconhecimento facial ou a identificação dos clientes.

A ViaQuatro disse ainda que os dados coletados eram anônimos e, posteriormente, descartados.

Veja na íntegra:

A concessionária ViaQuatro respeita a decisão e avalia a possibilidade de recurso, pelas seguintes razões:

1- O sistema de portas interativas, instalado em 2018, e que funcionou por breve período, não era dotado de recursos para a coleta de dados pessoais;

2- Não possuía memória ou qualquer ligação com banco de dados que permitisse o reconhecimento facial ou a identificação dos clientes;

3- O sistema se restringia a determinar atributos das imagens para fins de publicidade, conclusão técnica devidamente confirmada por perícia judicial efetuada em outro processo já concluído.

4- Os dados coletados eram anônimos e, posteriormente, descartados, preservando o direito à intimidade e à privacidade.

5- Durante todo o período em que este processo tramita, nunca houve nenhuma constatação de que dados coletados tenham sido armazenados ou utilizados para quaisquer outros fins.

6- Nenhum cliente do serviço prestado pela ViaQuatro foi exposto em sua intimidade ou teve sua imagem violada.

A CCR vê com preocupação o entendimento em questão, que transforma avanços tecnológicos em punição. Reconhecimento facial é uma realidade seja em aplicativos de bancos, seja por biometria, ou em redes sociais.

A concessionária reforça seus princípios de transparência e conformidade com respeito aos clientes, além do pleno atendimento à legislação então vigente, e à legislação superveniente, relativa à proteção de dados, a LGPD.

Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes

Adicionar aos favoritos o Link permanente.