Dia Nacional do Reggae: das origens jamaicanas ao reconhecimento cultural, no Maranhão


Gênero musical é considerado um dos mais populares em todo o estado. Reggae de final de tarde – Bar na Avenida Litorânea, em São Luís (MA)
Aluízio Ribeiro
A multidão, organizada em filas, ansiava adentrar o interior da Arena Nacional, em Kingston, capital da Jamaica, para dar adeus à personalidade mais célebre do país. Era 11 de maio de 1981, uma quinta-feira. Realizava-se o funeral de Robert Nesta Marley, ou Bob Marley, morto, aos 36 anos, em decorrência de um câncer.
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O artista, considerado um dos mais importantes e irreverentes nomes da música no século XX, contribuiu, por meio de suas canções, para a adição do reggae ao glossário de gêneros definitivos da música pop. Suas letras evidenciaram temas políticos e espirituais, com reflexões sobre a violência, a opressão social ocasionada pelo racismo e a importância da religiosidade na vida humana.
Em 2012, o governo brasileiro instituiu, por força de lei, o Dia Nacional do Reggae, em 11 de maio, data de falecimento de Marley. A homenagem destaca a relevância do estilo musical, suas origens e sua transcendência, ao alcançar diferentes culturas e povos ao redor do mundo. No Maranhão, conhecido como “Jamaica Brasileira”, a aderência do reggae à cultura popular assevera o vigor estético do ritmo.
Origens e consolidação do reggae
Germina na música folclórica jamaicana produzida entre os anos 1940 e 1950, a essência primeira do que viria a ser o reggae, adiante. O Mento – estilo musical caracterizado pela unidade de influências africanas e europeias – é produto singular na configuração e estilo de vida dos negros, no país. A Jamaica, situada na América Central, recebeu um número considerável de pessoas negras escravizadas, durante a colonização inglesa, a partir do século XVII.
Nos anos 1960, com o declínio do Mento, na Jamaica, e a predominância do R&B norte-americano nas rádios caribenhas, artistas locais se dedicaram a produzir versões de músicas populares do gênero. As regravações, porém, continham distinções sonoras, próprias da maneira jamaicana de se fazer canções. Um repertório inédito passou a ser criado por jovens músicos do país.
A música, na Jamaica, sempre ocupou espaço na formação do ideário cívico da população. Após o processo de independência do Reino Unido, em 1962, a música passou a significar liberdade de discurso, de expressão cultural e de acesso à cidade, para os jamaicanos. Com a expansão da rede elétrica em diversas regiões, à época, danceterias móveis e aparelhagens de som se tornaram populares. O comércio de trabalhadores jamaicanos se interpôs à ainda incipiente indústria musical do reggae.
A animação resultante do ska, acrescida de elementos do R&B, fundidos, por sua vez com a essência do Mento, resultaram uma seção rítmica eficaz e pungente, com andamento simples, guitarras, pianos, instrumentos de sopro e a marcação melódica do contrabaixo.
As canções produzidas a partir desta combinação constituíram a trilha sonora da Jamaica pós-independência. Número musicais de popularidade fora do país, ao fim dos anos 1960, coincidiram com a criação de novos grupos artísticos e estúdios de gravação.
Nos anos 1970, o reggae assumiu, enfim, a sua forma amplamente reconhecida. O lançamento do filme “Balada Sangrenta”, em 1972, cujo repertório sonoro é interpretado por artistas como Desmond Dekker e Jimmy Cliff, pôs a cultura popular jamaicana no centro da tela.
O sucesso do longa-metragem ajudaria a difundir o ritmo em outros continentes. A ascensão da cultura Rastafári, após a visita do imperador Haile Selassie I da Etiópia à Jamaica, colaborou, a seu turno, para a expansão da linguagem reggae. O conteúdo das letras produzidas passou a incluir palavras de ordem e convocações para revoluções, em diversos sentidos.
Bob Marley, junto ao grupo Wailers, capitaneou, com êxito, a concepção Rastafári, em música e estética. Sua presença na história da arte ocidental se confunde com o processo de popularidade do gênero, a nível internacional.
Apaixonado por futebol, Bob Marley torcia pelo Boys Town na Jamaica e pelo Santos no Brasil
Acervo Bob Marley via BBC
No Brasil, o reggae ganhou espaço, progressivamente. Ao lançar o álbum “Transa”, em 1972, o músico Caetano Veloso, inseriu, com pioneirismo, compassos de reggae na canção “Nine out Of Ten”. Seu parceiro, Gilberto Gil, fez inserções no estilo, tornando-se um dos maiores expoentes do reggae no país. Décadas seguintes, a cena musical reggae passou a contar com representantes em diversas searas, como Os Paralamas do Sucesso, Chico César e Cidade Negra.
Outra ‘banda’ de reggae
O reggae no Maranhão é uma expressão cultural enraizada na identidade e no contexto social do estado. Com influências do ritmo jamaicano, o estilo musical maranhense possui características peculiares, que o distinguem de outras regiões do Brasil.
Em entrevista ao g1 Maranhão, a especialista em Jornalismo Cultural e mestra em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Karla Freire, conta que o sucesso do reggae tem início em São Luís, no fim dos anos 1970, por meio da circulação de discos e da execução de músicas do gênero em danceterias.
“A história do reggae, em São Luís, começou na década de 1970. O ritmo chegou na capital através de discos, que vinham com marinheiros que aportavam na cidade. Na época, os ritmos que dominavam as festas, em salões, eram a lambada, a seresta e o forró. O reggae foi introduzido, aos poucos, nessas festas, conforme relatam os DJs mais antigos, que trabalhavam nessa época. As festas, segundo eles, eram assim: tocava um forró, um samba, um merengue, uma lambada, um forró, e aí tocava um reggae. Ninguém sabia que ritmo era esse; não se sabia que era reggae. Se falava até em música estrangeira lenta”, diz.
Grupo Gedam será o responsável pela trilha sonora da noite em São Luís
A.Baeta
A aceitação do reggae entre parte dos ludovicenses veio pouco tempo depois. O ritmo ganhou popularidade e a preferência nas periferias da capital, a partir dos anos 1980, tornando-se um sucesso.
“O reggae é um ritmo que dominou, primeiro, as periferias. Especialmente um público jovem, negro e pobre. O primeiro desafio já foi esse: enfrentar o preconceito racial que envolve o ritmo, na cidade. Entre as décadas de 1980 para 1990, o gênero cresceu absurdamente; foram as décadas de ouro, como os mais antigos chamam, quando o reggae realmente se estabelece de uma forma forte, e passa a ser parte da cultura de uma grande parcela da população e parte da cultura da cidade, como instrumento de lazer”, avalia Karla Freire.
O ideário musical do reggae foi adotado como forma de expressão, por jovens negros dos bairros pobres de São Luís. “A juventude negra se identifica com o ritmo e passa a adotar o reggae como um ritmo seu; um ritmo que, apesar de ser em língua estrangeira, em inglês, em que praticamente não se entendiam as letras, havia um sentimento de pertencimento”, assinala.
Freire ressalta ainda a avaliação de músicos e especialistas aos quais entrevistou por ocasião da produção de seu livro, “Onde o Reggae é a Lei”, lançado em 2013. Os musicistas, de acordo com a pesquisadora e escritora, sugerem que há aspectos sonoros similares entre o gênero jamaicano e ritmos tradicionais do Maranhão, como o Tambor de Crioula e o Bumba Meu Boi.
“Estudiosos sobre a parte musical do reggae me relataram as semelhanças rítmicas do reggae com os ritmos locais, da cultura popular. Então, você tem, ali, uma batida semelhante, que lembra alguma coisa do Tambor de Crioula e do Bumba Meu Boi, por exemplo. Tem essa convergência”, pontua.
Só se for a dois
O formato próprio com o qual o reggae se adequou à vida cultural do Maranhão possui um componente fundamental, o “agarradinho”: na dança, duas pessoas se envolvem, de maneira sensual e romântica, ao som da música. Em 2021, o governo do Maranhão reconheceu o jeito “agarradinho”, de dançar reggae como Patrimônio cultural imaterial do estado.
No Maranhão o reggae é dançado ‘coladinho’
Divulgação/ Comissão Integrada de Reggae e Turismo
A particularidade da dança, na capital, é descrita por Karla Freire como parte da influência dos ritmos caribenhos e tradicionais, no Brasil, a exemplo do forró. Ambos eram, costumeiramente, dançados em par, nas festas em que o reggae se popularizou.
“Como o reggae apareceu nessa época em que predominavam as festas nas quais tocavam a lambada, o forró, o merengue e o bolero, e esses ritmos são dançados a dois, as pessoas continuaram dançando a dois, quando tocava o reggae. Então, o reggae era a música estrangeira lenta que tocava, e as pessoas continuavam no salão, abraçadas, dançando”, concluiu.
*Sob supervisão de Rafael Cardoso, g1 MA.
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