Ex-catadora que morou em lixão toma posse como professora de universidade: ‘Estudava de manhã, catava lixo de tarde’

Patrícia Rosas ainda trabalhou em troca de comida. Com uma trajetória de resistência, ela se considera uma história de superação da escola pública. Posse de Patrícia Rosas como professora da UFPB
Vinícius Vieira/UFPB/Divulgação
Em meio ao passar das horas de trabalho, os dias cinzentos do lixão ganhavam cores com os restos de giz que Patrícia Rosas conseguia para brincar de “escolinha” com as crianças que catavam lixo com ela. A menina sem prever, mas confiante no futuro, ensaiava a missão que teria quando crescesse só que em um ambiente improvável para sonhos. Três décadas depois, agora com 40 anos, ela tomou posse como professora efetiva do Departamento de Educação da Universidade Federal da Paraíba.
A família da professora é grande. Ao todo, os pais dela tiveram 10 filhos. Em uma época financeiramente difícil, a única saída possível foi chamar o lixão de lar. No bairro do Mutirão, em Campina Grande, no Agreste da Paraíba, um barraco se tornou a casa da paraibana.
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Ainda menina, até os 9 anos de idade, ela catava especialmente ossos. O material era vendido em uma fábrica e, mais tarde, se transformaria em sabão.
As horas a fio dedicadas à função de catadora não fizeram com que Patrícia se afastasse da escola. Mesmo com a dificuldade que lhe foi imposta, a sala de aula foi o lugar onde a garota encontrou o que hoje chama de magia.
“Eu entrei na escola com sete anos. Estudava em um turno e vivia do lixo no outro. Nunca fui repetente. A escola pública pra mim é uma coisa que tem muito valor. Na escola pública era onde eu tinha merenda. Eu tinha proteção, estava afastada dos perigos. Onde eu aprendi”, recordou com ar nostálgico e encantador.
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A rotina no lixão, segundo a educadora, nunca atrapalhou os estudos dela. Pelo contrário, ela sabia que eram as moedas que conseguia com o lixo que fariam com que ela pudesse comer à noite.
Patrícia Rosas em projeto na área de educação
Arquivo pessoal/Desengaveta meu texto
“Eu sempre fui muito focada na educação. Eu já tive pés cortados dentro lixão, mãos cortadas dentro do lixão. Mas nunca me impediu de ir pra escola. O lixo pra mim era a sobrevivência. Eu estudava de manhã, catava lixo de tarde. Estar no lixo era saber que eu ia conseguir comer em casa. Eram duas forças que me moviam muito”, reforçou uma voz que enfatizava certeza.
Patrícia e a família só deixaram o lixão alguns anos depois, quando passaram a morar em uma invasão. No local, a casa foi construída com barro e pedaços de madeira.
‘O que vai permitir que eu saia do lixo é o caminho da escola’
O caminho de Patrícia na educação foi solitário. Os irmãos dela não puderam trilhar a mesma jornada. Eles precisaram começar a trabalhar bem cedo para contribuir com as despesas da família.
Desde muito nova, a professora já apostava na educação como uma fonte de mudança de vida.
“A gente cresce com a ideia da mãe que fala ‘estude pra ser alguém na vida’. Eu acreditava que pra ser alguém, a gente tinha que passar pela escola. Esse alguém não como pessoa, mas de mudança de status social. O que vai permitir que eu saia do lixo é o caminho da escola. Isso eu sempre tive muito claro”, lembrou sobre o que pensava.
Aluna Luyslla Jamylle Luiz e professora Patrícia Rosas com o Prêmio Led, da Rede Globo, em mãos
Patrícia Rosas / Arquivo pessoal
‘Trabalhei muitas vezes em troca de comida’
Durante a vida inteira Patrícia sempre precisou se dividir entre estudos e trabalhos. E foram muitas funções desempenhadas ao longo da busca pelo sustento.
“Já trabalhei de babá, de doméstica, em açougue, no roçado, vendi produtos de revista e trabalhei muitas vezes em troca de comida até conseguir meu primeiro emprego como professora”, contou.
Como os empregos ocupavam o dia inteiro, as madrugadas se tornaram o único terreno possível para a aprendizagem. Muitas vezes eram apenas três horas de sono por noite.
Muitos anos passaram enquanto a professora fazia isso. Além de tudo, dedicar tempo à família também era algo necessário. Por muito tempo contou a ajuda da mãe, que cuidou dos filhos dela.
Duas coisas em especial deram força para que Patrícia não desistisse. De acordo com ela, a primeira foi a fé em Deus que a sustentou em todos os momentos. Depois a inspiração em pessoas que também lutaram muito e conseguiram conquistar os próprios sonhos.
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Desengaveta meu texto
‘Ser professora da universidade parecia um sonho muito distante’
Ser professora sempre foi a meta de vida de Patrícia. Mas na educação básica, que teve muitos anos de dedicação dela.
“Mas ser professora da universidade parecia um sonho muito distante. Eu acreditava que não ia romper essa barreira. É muito difícil o concurso. São pessoas altamente competentes”, revelou.
Mesmo sabendo que concorreria com muitos candidatos – quase 50 –, Patrícia contava com a confiança de quem nunca tinha parado de estudar. Depois da graduação, ainda vieram mestrado, doutorado e pós-doutorado.
“Quando você estuda muito, você começa a acreditar que aquilo é seu também, que a universidade também é o seu lugar. Eu achava um lugar muito distante pra mim. Faz uns dois anos que comecei a acreditar e comecei a me preparar. Nós podemos estar onde queremos estar”, ressaltou.
‘Eu sou uma história de superação da escola pública’
Por fim, a professora reforça a importância da educação pública para o funcionamento da sociedade.
“As pessoas falam em tecnologia, desenvolvimento. Nada disso vai acontecer se não passar pelo banco de uma escola. A educação é primordial pra qualquer mudança. Eu acredito muito na escola pública, na educação pública. Dessa escola que vão surgir as pessoas que vão mover o país. Eu sou uma história de superação da escola pública”, concluiu.
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