Feira de Acari, famosa por funk e exaltada como ‘sucesso’ e ‘mistério’ por Jorge Ben, hoje é tema de vídeos virais por seus preços baixos

Hit ‘Feira de Acari’, um dos primeiros funks com projeção nacional, fez parte da trilha sonora de novela ‘Barriga de Aluguel’. Apesar do apelido ‘robauto’, pelo comércio de itens roubados, feira também é ganha-pão honesto de moradores, e proibição gerou críticas. Prefeito do Rio quer proibir feira de Acari
“Deu no New York Times / A feira de Acari é um sucesso / Tem de tudo / É um mistério”. A letra de “W/Brasil”, sucesso de Jorge Ben Jor resume um pouco do que é o comércio popular na Zona Norte do Rio – que teve a proibição anunciada pelo prefeito Eduardo Paes na segunda-feira (22).
O sucesso é inegável: a feira nascida em meados dos anos 1970 às margens da linha do trem, perto do Morro da Pedreira, é conhecida em todo o país e o ganha-pão de muito trabalhador honesto.
Há décadas, no entanto, as autoridades também combatem a origem “misteriosa” de produtos e até de animais silvestres, em dezenas de investigações e operações policiais. Nem a população perdoa: devido à tradição da venda de itens roubados, o comércio ganhou apelidos como “robauto”.
Recentemente, os preços bem abaixo de mercado levaram a Feira de Acari a protagonizar vídeos virais em plataformas como o Tik Tok.
O “sucesso” em todo o país não é novidade para a feira, que antes mesmo de ser cantada por Jorge Ben Jor foi tema de “Feira de Acari”, do MC Batata.
Na letra que virou hit nos anos 1990 e foi um dos primeiros funks a ganhar projeção nacional, o artista conta que estava sem dinheiro para comprar um fogão, e um amigo lhe indicou a feira:
“Ele disse que na feira / Pelo preço de um bujão / Eu comprava a geladeira /As panelas e o fogão / Tudo isso tu encontra / Numa rua logo ali / É molinho de achar / É lá na Feira de Acari / É sim lá em Acari”, diz a letra.
Em 1990, o hit entrou na trilha sonora da novela “Barriga de Aluguel”, da Globo (veja trecho no vídeo abaixo).
Barriga de Aluguel: Trilha sonora
A feira é montada aos domingos, na Avenida Pastor Martin Luther King Jr.
Em tempos digitais, a feira tem virado alvo de influencers. Uma usuária do Tiktok, por exemplo, mostrou um pacote de camarões a R$ 10 – cerca de quatro vezes mais barato que o valor de mercado.
Peças de salame, que segundo ela estão a R$ 150 no mercado, eram vendidas a R$ 49,90. No mesmo vídeo, com mais de 14 mil curtidas na plataforma, macarrões instantâneos podem ser vistos a R$ 1 real o pacote.
Outro influenciador mostrou um ar-condicionado de R$ 2,3 mil sendo vendido a R$ 1 mil.
Uma postagem de outro perfil mostra uma televisão de 50 polegadas, 4k, vendida a R$ 1,7 mil – em pesquisa em sites, o preço mais baixo que o g1 achou foi de R$ 2,3 mil.
Conta no Tik tok mostra pacote de camarão sendo vendido a R$ 10 na Feira de Acari
Reprodução/Tiktok
Reportagem do JN mostrou ‘feirões do crime’
A origem dos produtos, citada pelo prefeito como motivo para a proibição, sempre foi motivo de investigações.
Muitas vezes, são oriundos de crimes violentos. Uma reportagem de 2017 do Jornal Nacional investigou a origem e o destino de produtos de feiras como Acari, Pavuna e Caxias (veja abaixo).
Cargas roubadas são vendidas em ‘feirão do crime’
A reportagem mostrou produtos como óleo de soja 40% mais barato do que no comércio legal; potinho de salame, 70%, além de outros produtos como material de limpeza, queijo ralado e aparelho de ar-condicionado.
Com o número do lote dos produtos, os fabricantes confirmaram quando os caminhões das cargas vendidas nas feiras foram levados por bandidos.
Uma carga de óleo de soja, por exemplo, foi roubada no dia 19 de junho de 2017 a um quilômetro e meio de onde o produto era vendido logo depois.
Imagem aérea da Feira de Acari
Reprodução/TV Globo
Na época da reportagem, os roubos de carga tinham ocorrido quatro mil vezes em cinco meses.
Os responsáveis por esse tipo de crime são grupos de criminosos que se escondem em favelas perto de rodovias e grandes vias expressas, se aproveitam da geografia e da falta de policiamento para atacar caminhões e repassar a carga ainda dentro das comunidades.
Críticas à proibição da feira
A proibição gerou críticas imediatas. A vereadora Thais Ferreira (PSOL-RJ) comentou que muitos dos feirantes – que serão impedidos de trabalhar caso a feira seja proibida – foram vítimas da enchente que causou mortes e desalojou milhares de pessoas há uma semana.
“Num momento em que Acari sofre com o impacto das chuvas de verão, graças à falta de políticas públicas, a Feira de Acari, reconhecida como patrimônio cultural de natureza imaterial da cidade, é ameaçada pela Prefeitura com uma justificativa que demonstra ainda mais a ausência das autoridades na garantia dos direitos básicos da população desse território. Se o problema são os produtos desconhecidos, que tenha fiscalização!”, escreveu.
“Uma grande maioria da população do território de Acari sofreu perdas sem precedentes com as últimas chuvas. Nós vimos, nos últimos dias, as cenas tristes de casas com água até o teto. Muitos desses moradores têm a feira como única fonte de renda. Que alternativa será dada para essas pessoas?”, postou a vereadora.
Nas redes sociais, muita gente também criticou:
“Fechar a feira de Acari é mais fácil do que reprimir a venda e receptação de produtos roubados? E os demais feirantes que trabalham de forma correta ali, como farão? Nossos políticos cariocas seguem sendo ‘geniais e imparciais’”, escreveu um empresário.

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