Desarticulado, governo comete pecado capital

desarticulado,-governo-comete-pecado-capital

A aprovação na Câmara dos Deputados do projeto que susta parte dos decretos presidenciais referentes ao Marco do Saneamento inaugura um momento difícil para o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Trata-se da primeira derrota eloquente de sua gestão, que chega ao quinto mês com 20 medidas provisórias editadas – e nenhuma aprovada – e quatro Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) criadas. 

As especulações sobre os motivos de tamanha inércia de um governo dirigido por um político constituinte e com inegável legado histórico – goste-se ou não – são as mais diversas. Na essência, convergem para o fato de que não há agenda colocada e não há apoio ideológico para fazê-la caminhar caso houvesse uma.

Mas a falta de agenda em um governo é preocupante, semelhante a um pecado capital por colocar o inquilino do Palácio do Planalto em uma equação de difícil solução.

Sem apontar para um rumo, não logra parceria parlamentar e perde-se espaço nas manchetes; sem ocupar a mídia, não há engajamento da população; sem isso, o governo envia a mensagem de que lhe falta propósito. E, sem propósito, perde-se popularidade.

É por isso que, nos últimos meses, noticiou-se de tudo, menos vitórias do Planalto. Até porque não houve, apesar dos alertas de iminente derrota. O aviso dado, tanto pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), como pelo plenário, é que o Legislativo terá a iniciativa da agenda, caso o governo se mantenha inerte. 

Com o PL das Fake News, apesar do empurrão dado pela imprensa e da tolerância de Lira, o governo pareceu miúdo diante do agressivo avanço das big techs e da incapacidade de emplacar uma narrativa capaz de se sobrepor à oposição e conquistar o centro. Afinal, a defesa da democracia é uma bandeira de Lula, mas não exclusiva dele; logo, o parlamentar não precisa necessariamente estar junto do governo para defendê-la. 

Já a proposta de arcabouço fiscal é item de primeira necessidade política e econômica, e a reforma tributária inaugura no Congresso Nacional sua terceira encarnação. 

Dentro de 30 dias, com margem para mais ou para menos, as principais medidas do governo irão caducar, dentre elas aquela mais básica que reorganiza a Esplanada dos Ministérios. Pela votação do PDL do Saneamento, o Planalto tem uma base sólida de 136 votos na Câmara. Insuficiente para garantir as MPs e tudo o mais. 

O governo Lula consegue crescer, de fato, quando rivaliza com o ex-presidente Jair Bolsonaro. Ainda que o noticiário seja negativo ao último, o capitão reformado não é mais chefe do Executivo; quem precisa mostrar serviço, e tem de prestar contas, é o atual governo. A polarização não agrega votos no Legislativo, não rende resultados na economia e, consequentemente, não gera dividendos eleitorais. 

Por fim, a derrota no primeiro teste é um marco que fortalece o segundo mandato de Lira como presidente da Câmara e enfraquece o terceiro de Lula. Trata-se da última fronteira do avanço do Legislativo sobre o Executivo. É o último naco de poder que parlamentares podem retirar do presidente da República. Todos os outros mecanismos, como o Orçamento e o domínio sobre a pauta, já estão sob controle do Congresso. 

Levando em conta o empoderamento do Congresso em um ambiente de partidos anabolizados, ignorar o Legislativo é, por isso, o verdadeiro pecado capital. O recado da Câmara, portanto, foi eloquente: o Legislativo, quando quer, faz a pauta; o Executivo, mesmo quando a tem (o que não é o caso), não consegue fazê-la sozinho.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.