Membros de conselhos do governo pedem que Planalto não apoie anistia a descumprimento de cotas de gênero

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PEC que anistia partidos por prestação de conta irregular e por descumprimento de cota para mulheres e negros deve ser votada nesta terça-feira (16) em comissão da Câmara dos Deputados. Mais de 50 membros do Conselhão e do Conselho de Participação Social enviaram um documento à Casa Civil e à Secretária de Relações Institucionais pedindo que o governo federal atue para que a bese governista vote contra uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que anistia partidos por prestações de contas partidárias irregulares e por descumprimento de cota para mulheres e negros.
A proposta deve ser votada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (16). O texto posterga de 2018 para 2022 o prazo que livra siglas de punição por descumprirem valor mínimo para candidaturas de mulheres e negros.
O texto também impede que a Justiça Eleitoral puna as legendas que cometeram irregularidades nas prestações de contas nas eleições neste período.
No documento enviado aos ministros da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e da Casa Civil, Rui Costa, os conselheiros avaliam que a proposta atrasa o combate ao racismo e ao machismo nos partidos.
Os conselheiros argumentam ainda que a proposta, se aprovada, seria a quarta anistia autopromovida pelos partidos para a não aprovação das cotas.
“Já passou da hora, e já houve tempo o suficiente para a adaptação das agremiações às regras, de que o combate ao racismo e ao machismo avance em nossas estruturas partidárias e políticas, mudando a vergonhosa realidade de sub-representação de mulheres e pessoas negras na política nacional. E isso só poderá ser feito com a manutenção das penalizações sobre os partidos que não cumprirem tais regras”, dizem os conselheiros.
Segundo eles, o projeto também “desmoraliza a Justiça Eleitoral”, reduz a transparência de dados sobre o uso de recursos públicos e enfraquece os mecanismos de fiscalização e controle.
O g1 questionou a Casa Civil e a Secretaria de Relações Institucionais sobre a posição do governo em relação ao projeto e aguarda uma resposta até a última atualização desta reportagem.
O que estabelece o projeto?
A proposta em análise pelos deputados tem três pontos principais:
Cotas mulheres e negros: posterga para 2022 o prazo para que as siglas sejam punidas por descumprirem valores mínimos para candidaturas de mulheres e negros nas eleições. O prazo atualmente previsto para anistia é até as eleições de 2018;
Prestações irregulares: livra os partidos de qualquer punição por irregularidades nas prestações de contas antes da data da promulgação da PEC;
Dinheiro de empresas: permite que os partidos arrecadem recursos de empresas para quitar dívidas com fornecedores contraídas até agosto de 2015.
A análise na CCJ da Câmara apenas verifica se o projeto atende aos requisitos legais e regimentais. Após essa fase, o texto ainda precisará ser analisado em uma comissão especial, que discutirá seu mérito.
O que os deputados pensam?
Apesar de polêmica, a PEC tem amplo apoio entre os deputados. O texto contou com a assinatura de 184 deputados de legendas que vão do PL ao PT. Apenas PSOL e Novo têm tentado obstruir a votação da proposta.
O líder do maior bloco da Casa, Felipe Carreras (PSB-PE) é um dos signatários, assim como o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), líder do Republicanos e segundo maior grupo formado na Casa.
Além deles, apoiam a medida os líderes José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara, Carlos Jordy (PL-RJ), líder da oposição, Antonio Brito (PSD-BA), líder do PSD, André Figueiredo (PDT-CE), líder do PDT, Fábio Macedo (PODE-MA), líder do Podemos, Luís Tibé (Avante-MG), líder do Avante, entre outros deputados.
Entre os 32 parlamentares do PT que assinam a apresentação da PEC estão oito deputadas. Na sessão da CCJ de 2 de maio, a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), disse que adiar a análise da PEC não vai “melhorar a situação que nós temos”.
“Falo aqui como mulher, como Presidenta de um partido, como quem sempre lutou pelas cotas, não só financeiras, não só de rádio e de televisão, mas luto pelas cotas nas cadeiras do Congresso Nacional, porque esta é uma discussão que efetivamente nós temos que fazer. Não é apenas com multa, com retirada de recursos do Fundo Partidário que nós vamos, efetivamente, dar condições às mulheres e aos negros de ocuparem seus lugares. Precisamos ter também definições políticas”, disse Hoffmann.
A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) classifica a medida como um “retrocesso”.
“É flagrantemente inconstitucional, porque quebra o princípio constitucional de igualdade entre homens e mulheres”, afirmou a deputada. “Essa PEC é um retrocesso, depois de anos de luta, que trouxeram resultados. Dá um passo para trás”, disse.
Ponto a ponto
Segundo a proposta, “não serão aplicadas sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução e recolhimento de valores, multa ou suspensão”, dos fundos eleitoral e partidário, aos partidos que não destinaram os valores mínimos para mulheres e negros nas eleições de 2022 e anteriores.
Primeiro signatário da proposta, o deputado Paulo Magalhães (PSD-BA) justificou que a alteração é necessária para esclarecer um “entendimento divergente” que poderia surgir com a emenda promulgada no ano passado.
Para ele, como em 2022 era ano eleitoral, deveria prevalecer o princípio da anualidade, ou seja, que qualquer mudança nas regras eleitorais precisa ser aprovada um ano antes da eleição, para que entre em vigor. Segundo o deputado, muitas legendas tiveram dificuldade em se ajustar às regras.
Ao defender a constitucionalidade do texto, o relator da matéria, deputado Diego Coronel (PSD-BA), também defendeu que a PEC “reforça núcleo essencial do processo eleitoral brasileiro: a anualidade eleitoral”.
‘Revitimização’ de candidatas prejudicadas
Para especialistas, a anistia irrestrita aos partidos é prejudicial à democracia e dificulta, ainda mais, a participação de mulheres e negros no processo eleitoral.
A advogada especialista em direito eleitoral e cofundadora da entidade “Quero você Eleita” Gabriela Rollemberg, afirma que a proposta subverte o conceito de anualidade eleitoral e diz que o tema é um retrocesso para a participação das mulheres e negros na política.
“A aprovação do texto consolidará a revitimização das candidatas que saíram endividadas da disputa eleitoral do ano passado, após acreditarem na palavra dos dirigentes partidários a respeito de valores que seriam repassados na última eleição”, afirmou.
“Temos mais de uma década de anistias partidárias. Enquanto não levarmos a sério a necessidade de eleger mulheres e negros neste país, não alcançaremos a diversidade da sociedade brasileira. Não há democracia sem autenticidade.”
Além disso, o texto estende a não punição em caso de prestações de contas de exercício financeiro e eleitorais dos partidos que se derem antes da promulgação da emenda. Na prática, a Justiça Eleitoral não poderá punir as siglas por irregularidades cometidas antes da data em que a emenda passar a valer, caso seja aprovada.
“A PEC é um retrocesso à diversidade na representação política, à transparência e ao controle social dos partidos políticos e um ataque à justiça eleitoral”, segundo Keila Simpson, membro de ambos os conselhos e diretora da Associação Brasileira de ONGs (Abong).
‘Anista ampla, geral e irrestrita’
O dispositivo é considerado pelo diretor-executivo da Transparência Partidária, Marcelo Issa, uma anistia “ampla, geral e irrestrita”.
“É uma anistia global, que sinaliza em sentido oposto ao fortalecimento da democracia brasileira. Isso porque os partidos são o coração da nossa democracia e precisam ser fortalecidos com instituições transparentes, íntegras e democráticas”, diz ele.
“Quando patrocinam anistias pelo descumprimento de regras aprovadas pelo próprio sistema político do qual são a principal engrenagem, sinalizam para todo o restante da sociedade que a lei não é para todos e que pode ser casuisticamente modificada pelos que detêm o poder” afirma Issa.
Se aprovada, a PEC também permitiria que os partidos arrecadassem recursos de empresas para quitar dívidas com fornecedores contraídas até agosto de 2015. Naquele ano, o STF declarou inconstitucional as doações de empresas para campanhas eleitorais.
Como funcionam as cotas?
No caso das regras para as mulheres, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu, em 2018, que os partidos devem reservar, pelo menos, 30% dos fundos eleitoral e partidário para as candidatas – mesma proporção mínima de candidatas mulheres que as siglas devem inscrever em cada eleição.
Na mesma ocasião, a Corte derrubou um teto, estabelecido pelo Congresso em 2015, de 15% nos recursos para as campanhas de mulheres.
Além de anistiar os partidos, uma emenda promulgada no ano passado inseriu na Constituição o entendimento do STF de que os partidos devem destinar, ao menos, 30% dos fundos para as campanhas eleitorais femininas, respeitando a proporção de candidatas. A medida também vale para propaganda em rádio e TV.
Em 2020, o STF determinou ainda que, já a partir das eleições daquele ano, deveria valer a reserva de verba e de tempo de propaganda de forma proporcional entre candidatos brancos e negros.
Assinam o documento enviado à Casa Civil e à Secretaria de Relações Institucionais os membros do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (Conselhão):
Margareth Matiko Uemura
Franklin Felix
Rosangela Lyra
Caio Magri
Keila Simpson
André Junqueira Ayres Villas Boas
Laura Carvalho
Maria Paula Dallari Bucci
Vercilene Dias
Rosana Onocko Campos
Neca Setúbal
Marcel Fukayama
Douglas Belchior
Priscila Cruz
Zélia Amador de Deus
Katia Maia
Virgílio Viana
Antônio Augusto de Queiroz
Benilda Regina Paiva de Brito
Nina da Hora
Ilona Szabó de Carvalho
Ana Carolina Lima
Raimundo Bonfim
Aline Souza
Sueli Carneiro
Camila Moradia
Alexandra Soraia de Vasconcelos Segantin
Vera Lúcia Santana Araújo
Helena B. Nader
Aristides Veras dos Santos
Nalu Faria
Adriana Barbosa
Fernanda Burle
Floriano de Azevedo Marques
E membros do Conselho de Participação Social:
Carlos Magno Silva Fonseca
Cristiane Ribeiro
Denildo Rodrigues de Moraes
Keila Simpson
Romi Márcia Bencke
Zélia Amador de Deus
Marcio Astrini
Célia Gonçalves Souza
Nilza Valéria Zacarias do Nascimento Oliveira
Vanja Andréa Reis dos Santos
Pedro Ivo de Souza Batista
Aristides Veras dos Santos
Aldenora Gomes González
Renato Sérgio de Lima
Daniel Seidel
Maria Eunice Figueiredo Guedes
Rudrigo Rafael Souza e Silva
Geremias Dos Santos

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