Empreendedora baiana cobra até R$ 3 mil por enxoval completo para iniciados no candomblé


Moda afro religiosa é fonte de renda para empreendedores de Salvador e eleva sensação de identidade de pessoas negras. Margarida Guimarães, dona do ateliê Bayo Moda Afro Religiosa
Divulgação/Bayo
Adornar corpos negros valorizando a ancestralidade é o propósito de muitos afroempreendedores de Salvador. Não basta, porém, investir em turbantes, tecidos importados, rendas. Na capital baiana, berço da cultura africana no Brasil, muitos pequenos empresários resgatam origens – deles mesmos e de cada peça – para oferecer aos clientes uma compra repleta de significados culturais e religiosos.
A empresária Margarida Guimarães, 27, aprendeu a costurar no terreiro de candomblé da avó, no Engenho Velho da Federação, em Salvador. Quando foi iniciada na religião, aos 15 anos, precisava escolher entre bordado, cozinha ou outra atividade para se dedicar na casa de axé. Optou pela arte da costura e hoje tem é dona de um ateliê que cobra até R$ 3 mil por um enxoval completo para iniciados.
“No terreiro de minha avó, Mãe Dadá de Omolu, tinha uma dinâmica de escolher uma atividade, algo que depois poderia ser algo que viesse a te ajudar na vida, assim como a costura me ajudou. Tudo o que eu tenho e sou foi através da costura religiosa”, diz.
Mãe Neusa de Xangô, atual ialorixá do terreiro da Casa Branca, o mais antigo de tradição ketu do Brasil, foi quem ensinou Margarida a fazer um camisu, uma das peças mais complexas da indumentária de religião de matriz africana.
Com modelagem padronizada internacionalmente, o camisu é uma espécie de blusa longa, sem gola, com altura até o joelho, composta por dois recortes obrigatórios, um no ombro e outro nas axilas. Feita com tecido percal 100% algodão, a peça custa de R$ 85 a R$ 200 no Bayo, o ateliê de costura dela.
As roupas são vendidas para além das fronteiras da Bahia, com encomendas enviadas para estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. As clientes são principalmente mulheres, que pedem roupas como conjuntos de ração, conjuntos de roda, anáguas e lençois.
O conjunto de ração geralmente é formado por camisu, saia, xale de pano da costa, calçolão e, às vezes, pode incluir também um top para proteção dos seios. Essas peças são próprias para as atividades diárias, para a dinâmica pesada de afazeres nos terreiros.
“A roupa de candomblé está do início até o falecimento da pessoa. Em alguns lugares, a pessoa que está no habianato – que é quando se está conhecendo a comunidade do candomblé – ela usa apenas uma saia e uma camisa qualquer de dia a dia. Quando ela é iniciada, ela precisa de um enxoval. Essas serão as peças que a pessoa vai usar durante o período que ficar reclusa no terreiro e em algumas funções religiosas”, explica Margarida Guimarães.
Significado das indumentárias
Manequim exposto na Feira de São Joaquim, em Salvador
Divulgação/Engome e Passe de Oyá
Iniciada há mais de sete anos no terreiro Vodun Zo, de nação jeje, a administradora Honara Paixão, 28, explica que as roupas são importantes para o candomblé porque não só ajudam a caracterizar os adeptos da religião, mas também são cheias de significados e contribuem para a identificação pela comunidade.
As indumentárias variam de terreiro para terreiro. Nas casas jeje, por exemplo, não existe o camisu. Nesse universo estético da moda afro religiosa, os detalhes das peças podem, inclusive, sinalizar o grau hierárquico de cada um. Assim, o uso de turbante, o volume da saia, as contas e o metal usado nos adereços são símbolos que definem são só o gosto estético do povo de santo, mas a posição que cada pessoa ocupa nos terreiros.
Em algumas casas, quando os torços são amarrados de forma pontuda significa que o orixá daquela pessoa é masculino (Babá); quando possui abas ou é completamente arredondado, é um orixá feminino (Yabá). Em geral, quanto mais bordada ou enfeitada é a roupa, mais anos de iniciação tem o adepto.
Atualmente, a importação dos tecidos africanos (os famosos Ankara) trouxe mais colorido aos terreiros, entretanto, eles não fazem parte da fundamentação tradicional.
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Lavanderia e gomaderia na Feira de São Joaquim
Divulgação/Engome e Passe de Oyá
O segmento de moda de axé impulsiona, inclusive, a criação de outros negócios, como uma lavanderia exclusiva para adeptos do candomblé. Com loja na Feira de São Joaquim, a empreendedora Vanessa Kênia abriu a empresa depois de enxergar nessa atividade uma oportunidade para manter a casa e os quatro filhos. Antes, ela trabalhava como vendedora ambulante de bebidas durante as festas populares de Salvador.
O empreendimento oferece serviços como lavagem de roupas com técnicas ancestrais de clareamento e remoção de manchas, engomadoria de anáguas, ateliê de costura, passagem de ferro em roupas e até perfumaria.
E Vanessa já tem sonhos de expansão: quer adquirir mais uma máquina de costura, um ferro de passar mais avançado e melhorar o aspecto da loja com uma nova pintura.
“Aqui os clientes candomblecistas têm serviços desde suas iniciações até o mais alto grau, que é a obrigação de 21 anos”, conta a dona da Engome e Passe de Oyá.
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Divulgação/Engome e Passe de Oyá
Uma peça para cada festa
Há uma década, o mercado não era tão movimentado assim. Dona de uma marca de acessórios autorais com temas de orixás, a designer gráfica Bia Lessa, 32, começou no segmento há 16 anos e viu o “boom” acontecer. Bia começou a ver que suas criações passaram a ser ‘copiadas’ e que os itens de axé estavam cada vez mais presentes nas feiras de artesanato da capital baiana.
“A demanda aumentou muito, então agora tudo se acha com mais facilidade. Perceberam que esse mercado tem potencial, tem um público que não para de consumir. Quem não quer estar toda alinhada, de acessório bonito e diferente a cada festa?”, brinca ela, que produz colares, brincos, chaveiros e lembrancinhas com preços entre R$ 25 e R$ 120.
As peças são confeccionadas com miçangas de madeira, palha da costa, búzios e elementos que remetem aos orixás. Entre as divindades, as mais procuradas são Exu, Oxum, Iemanjá, Iansã, Omolu, Ogum e Oxóssi, que não podem faltar no catálogo.
Afroempreendedores apostam na confecção de acessórios em tecidos africanos e materiais da natureza
Par de brincos inspirados em elementos ligados aos orixás
Divulgação/Bia Lessa
Oportunidades no mercado
Analista de afronegócios do Sebrae Bahia, Fau Ferreira explica que o movimento de reafirmação da negritude e a luta contra a intolerância religiosa têm feito com que pessoas de religiões de matrizes africanas tenham mais vontade de professar e exibir publicamente a sua fé.
Essa tendência ajuda a fortalecer economicamente empreendedores que se dedicam a construir negócios afro religiosos e contribuem para criar uma imagem positiva da religiosidade negra.
“Existe uma grande oportunidade para empreendedores que atuam com negócios de matriz africana, pois existe um público crescente que está deixando de esconder a sua fé. Apesar de o IBGE apontar um índice baixo de declarados, o que se vê nas ruas de Salvador, Rio de Janeiro e Recife é um número grande de pessoas usando elementos afro religiosos e que estão dispostos a pagar por esses produtos com os quais se identificam”, aponta Fau.
Margarida Guimarães veste roupas de candomblé
Divulgação/Bayo
Há um ano, o Sebrae divulgou uma pesquisa inédita e apontou que:
✊🏿 79% dos empreendedores da Bahia são negros e 54% desse total são mulheres;
✊🏿 87% dos afroempreendedores atuam nos setores de comércio e serviços;
✊🏿 71% dos afroempreendedores faturam até quatro salários mínimos; entre as mulheres, o rendimento mensal médio é de até dois salários mínimos
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