Devota de Santo Antônio cria simpatias e ajuda a conseguir casamentos há mais de duas décadas, mesmo preferindo a ‘solteirice’

Advogada Socorro Luna organiza a Noite das Solteironas, um dos eventos brasileiros mais famosos dedicados ao ‘santo casamenteiro’. Mesmo ajudando a realizar matrimônios, ela se diz realizada estando solteira. A organização da Noite das Solteironas é parceira na realização dos casamentos coletivos das Noivas de Santo Antônio, durante a Festa do Pau da Bandeira
Arquivo Pessoal
Ela é conhecida como “a rainha das Solteironas de Santo Antônio”. Em Barbalha, cidade do Cariri cearense com muitos fiéis ao santo, a advogada Socorro Luna é procurada pelos solteiros que buscam orações e simpatias para conseguir um casamento. Em mais de duas décadas ajudando quem quer se casar, ela já perdeu as contas de quantos casais ajudou a unir, entre noivos cearenses e de outros estados.
“Não tenho a menor ideia [de quantas pessoas ajudou a se casar], mas são centenas e centenas de pessoas que se casam. Eu me encontro com muita gente, às vezes até fico surpresa. Elas dizem ‘olha, ano passado tomei o seu chá e me casei’. Isso é rotineiro na minha vida.”
Empenhada em ajudar pessoas do país inteiro, ela faz questão de lembrar que não quer casamento para si e que é feliz como mulher solteira.
“Santo Antônio se apaixonou por mim e não divide com ninguém”, brinca a advogada, que se orgulha da devoção pelo santo casamenteiro, cultivada desde pequena. Há 23 anos, ela adicionou novos rituais à Festa do Pau da Bandeira, organizando a Noite das Solteironas para partilhar as simpatias casamenteiras com os visitantes.
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Barbalha se prepara para festa do Pau da Bandeira
Socorro coleciona bons resultados, recebendo agradecimentos de quem alcançou a graça pedida, além dos convites para ser madrinha de casamento em cidades do Ceará e de outros estados. A fama leva à pergunta recorrente: será que ela não quer casar também? A resposta costuma ser clara.
“Estou muito bem, graças a Deus. Sou uma mulher plenamente realizada, uma mulher feliz, uma mulher que gosta muito de namorar”, enfatiza.
O prazer em levar a vida nos próprios termos não impede Socorro de auxiliar os solteiros que buscam realização no matrimônio. Ela deixa o espaço livre para que santo Antônio cuide deles.
Conhecida como a “rainha das Solteironas de Santo Antônio”, Socorro Luna não pretende arranjar casamento para si
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Com o santo, a advogada mantém uma conversa contínua, pedindo orientação para as decisões diárias. “A gente tem uma sintonia ímpar. Eu não faço nada sem antes consultá-lo. E eu sou capaz de dizer que ele me responde. Porque, de prontidão, as coisas acontecem”, comenta.
No mês que antecede o período de festas em Barbalha, ela se divide entre o trabalho e a organização dos eventos da trezena de Santo Antônio. É quando começa a receber mais ligações e mensagens de interessados nas simpatias.
Socorro também se envolve como organizadora do casamento coletivo para 15 casais contemplados pelo projeto Noivas de Santo Antônio. A iniciativa é da Escola de Saberes de Barbalha com diversos parceiros da região e já entrou para o calendário dos festejos da cidade, com a primeira edição em 2017.
Uma das noivas que participa em 2023 é a dona de casa Bárbara Monteiro, de 39 anos. Depois de quase duas décadas morando com o companheiro, ela realiza o sonho de se casar na Matriz de Santo Antônio. Ter a união como sacramento religioso era o pedido que ela fazia ao santo com diversas simpatias, como tomar o chá da casca do pau da bandeira e acompanhar descalça a procissão de 13 de junho.
Ela conta que o avô foi um dos primeiros capitães do pau da bandeira e viu seu pai, irmão e sobrinho se tornarem “carregadores” do mastro. “Eu não tenho mais pai, mas imagino que ele ficaria muito feliz me vendo casar na igreja. Ele sempre trazia para mim uma casquinha do pau da bandeira ou um chaveirinho do santo de cabeça para baixo”, recorda.
A noite não é só das solteiras
O “kit milagres” é uma criação de Socorro Luna para distribuir orações e simpatias casamenteiras na Noite das Solteironas
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No ano 2000, Socorro Luna foi convidada a promover a Noite das Solteironas pela primeira vez. O objetivo era preservar a cultura interiorana das quermesses nas festas católicas, com um espaço para celebrar os rituais populares da fé no santo casamenteiro.
Mas a palavra “solteirona” não foi bem recebida, principalmente entre as mulheres. Por esse motivo, o evento foi chamado de Noite das Protegidas de Santo Antônio nos dois primeiros anos. Os momentos de encontro e brincadeiras acolhiam quem viesse, movimentando a quermesse na lateral da Matriz de Santo Antônio.
A partir de 2022, foi possível retomar o nome inicialmente pensado. E a Noite das Solteironas virou uma tradição, realizada um dia antes do cortejo do mastro da bandeira de Santo Antônio pelas ruas de Barbalha.
Na cidade, já existia a crença de que o casamento seria resultado para a mulher solteira que acompanha o cortejo do mastro. Para a noite dos solteiros, Socorro pensou em novos rituais.
A primeira ideia foi a simpatia do chá casamenteiro, feito da casca do pau da bandeira. A organizadora da festa costuma acompanhar o corte da árvore escolhida a cada ano. Ainda no mês de maio, o tronco de uma planta medicinal é retirado na região da Chapada do Araripe.
“Eu criei essa simpatia porque era uma coisa mais imediata e que eu sabia que não ia matar ninguém. Geralmente é uma planta medicinal, então já tem esse cuidado. Eu consultei vários farmacêuticos, eles fizeram o teste e disseram que eu podia servir”, detalha Socorro. Mas ela acrescenta que o chá só faz milagre mesmo para quem tem fé.
Socorro Luna organiza a Noite das Solteironas, evento que antecede o dia do cortejo do “pau da bandeira” em Barbalha
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Atualmente, os frequentadores da Noite das Solteironas recebem o “kit milagre”. Ele contém pedaços do pau da bandeira e a receita do chá, a medalha e a oração de Santo Antônio e uma fita da sorte com a frase “Santo Antônio, tende piedade de nós, as solteironas”. “Já tem gente de outros estados, São Paulo, Rio de Janeiro, querendo saber quanto custa o envio por Sedex do kit milagre”, diz.
Depois que as primeiras mulheres conseguiram se casar, a reputação das simpatias cresceu. Desde 2017, o período de festas na cidade inclui o casamento coletivo de 15 casais unidos pela intercessão do santo. Também é costume colocar a estátua do santo de cabeça para baixo, na crença de que o santo vai interceder e providenciar o matrimônio para o fiel.
Não apenas as mulheres solteiras procuram o chá casamenteiro. De acordo com Socorro, os homens também fazem simpatias em busca de uma esposa. E pessoas interessadas em casamentos homoafetivos também podem pedir o auxílio divino. “Santo Antônio não tem preconceito, ele quer o ser humano feliz”, afirma.
A noite tem espaço até para quem já está casado. Para estes casos, tomar o chá milagroso é um reforço para manter a qualidade da relação.
Irreverência e fé
Com tradição iniciada em 1928, a festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio de Barbalha foi reconhecida como Patrimônio Cultural Brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2015.
No período, a cidade acolhe as diversas expressões culturais em uma mescla de rituais católicos e populares, como as missas e quermesses, o trajeto do mastro pelas ruas e o hasteamento da bandeira, além das apresentações de reisados e bandas cabaçais. A cidade de 61 mil habitantes deve receber meio milhão de visitantes durante os dias de festa em 2023, segundo estimativa oficial da prefeitura.
A cultura nordestina traz a junção do sagrado com o profano, conforme Socorro. Para ela, uma prova está nas variações do nome da festa. O mastro da bandeira virou “pau da bandeira”. E há quem chame apenas de “pau de Santo Antônio”.
Este é só o começo das brincadeiras de duplo sentido. Como uma das mais leves elencadas pela madrinha dos solteiros: “É engraçado quando as mulheres falam que precisam pegar no pau para arranjar um marido”, conta.
Socorro Luna costuma acompanhar o corte e o trajeto do Pau da Bandeira, participando ativamente da festa na cidade
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Os festejos deste ano foram muito esperados por Socorro Luna. Isto porque, no ano passado, ela sofreu um acidente logo ao fim do cortejo do pau da bandeira. Conforme divulgado pela família, ela sofreu fraturas e escoriações.
Socorro passou por sessões de fisioterapia nos meses seguintes. “Eu quase morro, mas Santo Antônio e todas as orações de todo mundo do Ceará me ergueram. E eu estou aqui, firme e forte”, celebra a organizadora, pronta para continuar na missão em socorro dos solteiros.
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