MST critica projeto que iguala grupos criminosos a terrorismo

Avançou no Congresso, na 4ª feira (10.mai.2023), projeto que iguala condutas de grupos criminosos organizados ao terrorismo. A proposta altera as penas para os atos a partir de mudanças na lei atual.

O texto ganhou força no Senado depois de uma série de ataques no Rio Grande do Norte em março deste ano. Delegados, congressistas ligados a movimentos sociais e o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), porém, dizem que a proposta, se aprovada na Câmara, pode atingir movimentos sociais e enquadrar crimes comuns ao terrorismo. Entenda abaixo o que muda na prática.

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O texto, de autoria do senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) e relatado por Jorge Kajuru (PSB-GO), foi aprovado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Segue para a Câmara. Eis a íntegra (147 KB).

Em resumo, o texto altera 4 legislações:

Entre outras medidas, estipula pena de 12 a 30 anos de prisão para condutas praticadas, por qualquer razão, com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, em nome ou em favor de organização terrorista, ou grupo criminoso organizado que:

  • obstaculizem ou limitem a livre circulação de pessoas, bens e serviços para exercer poder paralelo em determinada região ou zona territorial urbana ou rural;
  • estabeleçam, mediante violência ou grave ameaça, monopólios, oligopólios ou monopsônios artificiais em determinada região, ou zona territorial urbana, ou rural;
  • constranjam, mediante violência ou grave ameaça, alguém ao pagamento de prestação pecuniária ou qualquer tipo de vantagem como condição para o exercício de atividade econômica;
  • exerçam, mediante violência ou grave ameaça, outro tipo de controle social ou poder paralelo sob determinada região, ou zona territorial urbana, ou rural em prejuízo das liberdades individuais;
  • promovam, comandem, organizem, planejem, participem, facilitem, ameacem ou financiem atentado contra a vida, ou integridade física de funcionário público;
  • promovam, comandem, organizem, planejem, participem, facilitem, ameacem ou financiem a fuga de preso, ou de indivíduo submetido a medida de segurança detentiva, usando violência contra a pessoa.

A criminalização da limitação da livre circulação de pessoas faz ressalva quanto a manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios.

Essa ressalva foi o argumento usado pelo líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (PT-ES), para votar a favor do projeto. Segundo ele, não haverá mudanças quanto à excepcionalidade dos movimentos sociais.

Além disso, o texto estipula:

  • prisão de 5 a 10 anos para quem constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão, para o fim de cometer crime. Nesse último caso, a pena também engloba o pagamento de R$ 2.000 a R$ 3.000 de multa por dia;
  • causa de aumento de pena (até o dobro) para o agente que exerça função de liderança, bem como define, como grupos criminosos organizados, as associações criminosas, as milícias privadas, as associações formadas para o tráfico de drogas e as organizações criminosas;
  • um dispositivo para considerar a motivação política na tipificação do crime de terrorismo;
  • os atentados e ameaças à vida de servidores públicos nas ações tipificadas como crime;
  • a ampliação da definição de milícias. Em vez de um grupo que se organiza para a prática de crimes previstos no Código Penal, a classificação vale para qualquer grupo organizado para o cometimento de crimes;
  • para Lei Antidrogas: enquadra no crime de terrorismo a associação de duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, o tráfico de entorpecentes. Nesse caso, a proposta determina prisão de 5 a 10 anos e pagamento de R$ 1.2000 a R$ 2.000 de multa por dia. Atualmente, a pena é de 3 a 10 anos de prisão e pagamento de R$ 700 a R$ 1.200 de multa por dia.

REAÇÃO NEGATIVA

O texto aprovado pelo Senado na 4ª (10.mai) recebeu críticas de 2 principais grupos: delegados da Polícia Federal e movimentos sociais, principalmente o MST.

A ADPF (Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal) afirmou em análise técnico-jurídica que a aprovação do projeto acarreta o enquadramento de inúmeros crimes comuns como atos terroristas. Leia aqui a íntegra do documento (186 KB).

“O projeto desvirtua os conceitos internacionais normalmente adotados quando se trata de terrorismo. Além disso, a proposta traz tipos penais muito abrangentes, que levam a uma insegurança jurídica na interpretação da norma e atraem para esfera federal uma quantidade exorbitante de investigações, o que certamente acarretará em uma sobrecarga da PF e da Justiça Federal”, disse Luciano Leiro, presidente da ADPF, ao Poder360.

Os deputados Pedro Uczai (PT-SC) e Guilherme Boulos (PSOL-SP), ligados aos movimentos sociais, também criticaram o mérito do texto.

“Eu acho lamentável. Nós vamos trabalhar contra, porque uma coisa é crime de terrorismo, como feito no 8 de Janeiro ou na diplomação do presidente Lula, querendo explodir caminhão de gasolina perto de aeroporto. Isso é terrorismo. Agora, tratar movimento social que reivindica por direitos ou dar uma brecha para que seja tratado como terrorismo é inadmissível”, afirmou o líder do Psol na Casa.

“É um absurdo. O tema do terrorismo é complexo. Não se pode discutir e conceituar ‘lato sensu’. Tem que ter coisa específica. Qual é o ato que se pode configurar como ato terrorista? É contra o Estado? Se lá numa propriedade fez ocupação é ato terrorista? Não tem cabimento. Eu acho que está se criminalizando em um estado punitivista”, disse Uczai.

O advogado do MST, Ney Strozake, disse temer que, mesmo com as salvaguardas no texto, os movimentos sociais sejam criminalizados. Afirmou que o movimento vai agir para conter o avanço da proposta na Câmara.

“Toda mudança que tente enquadrar qualquer mobilização popular na condição de crime de terrorismo é sempre um grande risco para as mobilizações. Por isso, somos contra qualquer alteração na atual lei antiterrorismo”, disse Strozake.

“Vamos mobilizar em especial a sociedade civil para que faça uma pressão, demonstrando aos parlamentares que qualquer tentativa de enquadrar as mobilizações populares em terrorismo é um retorno a barbárie”, afirmou o advogado do MST.

Embora tenha sido apresentado pela motivação dos ataques no Rio Grande do Norte, há uma discussão latente no Congresso sobre ocupações do MST. Essa alteração na lei pode ser usada pela Oposição daqui em diante.

GOVERNO APOIOU NO SENADO

O texto relatado pelo senador Kajuru, vice-líder do governo no Senado, recebeu apoio do líder do Governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), do líder do PT no Senado, Fabiano Contarato, e do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino.

Durante a votação, Wagner e Contarato reforçaram publicamente seus apoios:

  • Jaques Wagner – “É óbvio que existe gente dentro do Governo que provavelmente vai reclamar da minha posição, porque acha que não deveria ser assim e teria que ser assado. A vida é assim: em democracia a gente não sai com 100%; sai com 60%, sai com 70%, e eu acho que foi esse exercício que nós fizemos aqui”;
  • Fabiano Contarato“Concordando com o senador Styvenson e com o senador Kajuru. Nós fomos exatamente deixando claro de que se tratava de episódios mais caracterizados, eu prefiro dizer assim, como efetivamente o terrorismo que foi feito no Rio Grande do Norte, que eu considero, respeitadas as divergências, diferente de movimentos sociais”.

“Compartilho com os integrantes desta CCJ a informação de que o Ministério da Justiça se coloca de acordo com a formatação final do projeto. Esse posicionamento foi externado pelo próprio ministro Flávio Dino — confesso que foi uma surpresa para mim, eu não sabia, foi somente ontem —, durante audiência na Comissão de Segurança Pública”, disse Kajuru.

O relator disse ter sofrido pressão de integrantes do governo para alterar o texto, mas não citou nomes.

“Sofri todo tipo de pressão por parte do Governo, que chegou a ameaçar a minha saída da vice-liderança. E, se este meu relatório, que não vou mudar, que vou mantê-lo porque dei palavra e eu não recuo nem para tomar impulso depois que eu dou a minha palavra… se isso merecer a minha saída do Governo, eu saio de cabeça erguida. Eu não vou mudar”.

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