Um ano após crime, atendente do McDonald’s baleado por bombeiro ainda aguarda julgamento


Mateus Domingues levou um tiro do sargento Paulo César Albuquerque enquanto trabalhava. O sargento está preso e o juiz do processo determinou que o bombeiro seja julgado pelo Tribunal do Júri. Defesa pediu para jogar óleo no chão do tribunal. Mateus Domingues Carvalho foi atingido na barriga e levado para o Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca
Reprodução/ TV Globo
Um ano após levar um tiro à queima-roupa do sargento do Corpo de Bombeiros Paulo César Albuquerque enquanto trabalhava em uma loja do McDonald’s, na Taquara, na Zona Oeste do Rio, Mateus Domingues Carvalho e sua família ainda aguardam pelo julgamento de seu agressor.
Em outubro do ano passado, a Justiça do Rio de Janeiro determinou que o sargento deveria ser julgado pelo Tribunal do Júri, pelo crime de homicídio tentado, que tem pena de até 20 anos de prisão. Na ocasião, o juiz também decidiu manter a prisão do réu. Sete meses depois, o processo criminal está em fase de diligências, aguardando a marcação do julgamento.
“Estamos esperando a marcação da sessão plenária do júri. Estamos numa fase de diligências, quando o Ministério Público faz alguns pedidos, assim como a defesa do bombeiro também. Não tem uma previsão certa para o julgamento”, comentou Clara Zanetti, que faz parte da equipe de advogados do João Tancredo Escritório de Advocacia, responsáveis pela defesa de Mateus.
O ataque contra o atendente ocorreu na madrugada de 9 de maio de 2022, após Paulo César exigir um desconto de R$ 4 na lanchonete. A bala atingiu o rim esquerdo e o intestino grosso de Mateus, que sobreviveu, mas precisou passar por cirurgias e ainda sofre com as sequelas do crime.
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Segundo a advogada Clara Zanetti, Mateus ainda não conseguiu voltar a trabalhar. Ela afirmou que o trauma pelo ataque que sofreu foi muito grande e que ele não cogita voltar à loja.
“O Mateus ainda está muito mal, ainda tem sequelas físicas e psicológicas do acidente. Ele não tem condições de voltar a trabalhar agora, muito menos como atendente. O trauma que ele passou foi muito grande. Ele ainda está tratando dos problemas físicos que sofreu”, relatou a advogada.
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Após ser baleado, Mateus ficou dez dias internado, quando passou por uma cirurgia, perdeu o rim esquerdo e teve ferimentos no intestino. Dois meses após o crime, o trabalhador passou por uma nova cirurgia, dessa vez com o objetivo de retirar a bala que ainda estava em seu corpo e reverter o procedimento de colostomia.
O sargento que agrediu e atirou contra Mateus teve sua prisão decretada no dia 20 de maio do ano passado e desde então está em uma unidade prisional do Corpo de Bombeiros.
Julgamento no Tribunal do Júri
Em outubro de 2022, o juiz Gustavo Kalil, da 4ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), decidiu que o bombeiro Paulo César deverá ser julgado pelo Tribunal do Júri, pelo crime de homicídio tentado.
Paulo César de Souza Albuquerque
Reprodução
Segundo o TJRJ, o processo encontra-se na fase de cumprimento de diligências, com a indicação de testemunhas, tanto pelo Ministério Público quanto pela defesa.
Um ano convivendo com as marcas físicas e psicológicas de um ataque, o atendente e seus advogados seguem aguardando os próximos passos do processo. A expectativa da família de Mateus é que seja feita Justiça, com a condenação do sargento Paulo César Albuquerque.
“A defesa de Mateus, na qualidade de assistência de acusação, espera que o Paulo Cesar seja condenado de forma justa e adequada”, comentou a advogada Luisa Capanema, que também faz parte da equipe.
Além do processo criminal contra o sargento do Corpo de Bombeiros, que pede a condenação de Paulo Cesar e uma indenização pelas sequelas provocadas, os advogados de Mateus também entraram com um processo trabalhista contra o Mc Donalds. Nesta ação, a defesa pede uma reparação por danos morais e materiais.
Pedido para jogar óleo no chão do tribunal
Ao longo da fase atual do processo, os advogados de defesa do bombeiro Paulo Cesar fizeram um pedido inusitado para a elaboração de sua tese.
Segundo os autos do processo público, a defesa pediu autorização para o juiz Gustavo Kalil para jogar óleo no chão do Tribunal de Justiça do Rio, durante o julgamento de Paulo Cesar. A estratégia da defesa seria demonstrar que o tiro foi acidental e que um dos motivos para o acidente teria sido a condição escorregadia do chão da cozinha do estabelecimento.
Na opinião da advogada Clara Zanetti, que atua em nome de Mateus, a tese da defesa de Paulo Cesar é “absurda”.
“Ele alega que o tiro não foi proposital, que ele teria escorregado no chão e, em decorrência do escorregão, ele acabou atirando. Isso é um absurdo. Ele teve a intenção de atirar”, disse Zanetti.
O juiz Gustavo Kalil negou o pedido feito pelo advogado do bombeiro e argumentou que não poderia deixar que ele jogasse óleo no chão do plenário para garantir a “preservação do espaço público”.
“Defiro as diligências defensivas, exceto o arremesso de óleo no chão, pois não há como se garantir que o óleo não estragará o carpete do plenário desse IV Júri, sendo poder-dever do magistrado de zelar pela preservação do espaço público”, dizia a decisão.
A equipe do g1 entrou em contato com o advogado Sandro Figueiredo, responsável pela defesa de Paulo Cesar, mas até a última atualização desta reportagem não teve retorno sobre a estratégia de defesa.
Teoria do tiro acidental
À polícia, na época do crime, o agressor disse que o tiro foi dado de forma acidental. Na ocasião, durante o depoimento de Paulo Cesar à Polícia Civil, ele justificou o disparo por conta do consumo de bebida alcoólica, remédios controlados, problemas na vida pessoal e por ter sofrido uma ofensa homofóbica por parte de Mateus.
Segundo o relato do sargento, Mateus teria o tratado de forma debochada, antes da confusão começar.
“(…) O atendente perguntou ao declarante o porquê estava histérico, em seguida disse que sabia sim o porquê, já que um gay reconhece o outro, em meio a caras e bocas”, dizia parte do depoimento assinado por Paulo César.
O sargento também contou na delegacia que, antes do disparo, já dentro da cozinha da lanchonete, ele teria empurrado Mateus, que revidou com um soco em sua boca. De acordo com Paulo Cesar, “no momento em que o declarante (bombeiro) recebeu o golpe na boca, como estava com a arma na mão, teve uma reação de apertar o gatilho, de forma acidental”.
No documento entregue à autoridade policial, o sargento afirmou que “havia feito uso de bebida alcoólica, uma dose de whisky (…) que estava passando por um momento muito difícil, em virtude de sua separação, e que estava fazendo uso de remédios psicotrópicos”.
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Apesar dos argumentos para justificar um possível disparo acidental contra Mateus, um amigo do sargento negou a versão: Carlos Felipe da Silva Brasil aparece de camisa laranja nas imagens e foi à lanchonete junto com o bombeiro acusado pelo crime. Em depoimento, ele disse que o tiro não foi acidental.
Em seu depoimento à Justiça, Carlos Felipe contou que a briga entre Paulo e Mateus teve início por conta de um cupom de desconto. No relato, ele diz que Mateus foi “ríspido” ao responder o bombeiro sobre o procedimento correto para a validação do cupom de desconto. Ainda segundo ele, os dois continuaram a briga do lado de dentro da loja, quando o bombeiro sacou sua arma e atirou.
Relembre o caso
O crime ocorreu no dia 9 de maio de 2022. Na ocasião, a vítima e outros atendentes contaram que o cliente estava no drive-thru da loja e queria adicionar um cupom de desconto depois que o pedido já tinha sido fechado. Mateus teria informado que não seria possível.
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Nesse momento, Paulo César se irritou, quebrou a proteção de acrílico e deu um soco em Mateus, que revidou a agressão. Imagens das câmeras de segurança do estabelecimento mostram quando o sargento entra na loja com uma arma na mão, vai até a área de trabalho da lanchonete e, segundo testemunhas, atira no rapaz. O militar sai e Mateus fica caído no chão e é amparado por um colega.
Paulo César de Souza Albuquerque
Reprodução/TV Globo
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