Acusados pela morte da travesti Laura Vermont, em 2015, na Zona Leste de São Paulo vão a júri nesta quinta-feira


Jovem tinha 18 anos quando foi espancada por cinco homens. Câmeras registraram a situação. De acordo com a Justiça, dois policiais militares chamados por testemunhas para atender a ocorrência que envolvia Laura foram omissos, truculentos e descuidados Fotos mostram Laura Vermont antes da agressão, o momento que ela é agredida por cinco rapazes e como seu rosto ficou após apanhar; travesti morreu por causa de traumatismo craniano
Fotomontagem/Reprodução/Divulgação/Arquivo Pessoal/Facebook/WhatsApp
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O julgamento dos cinco réus acusados de matar a travesti Laura Vermont, em 2015, no bairro de Itaquera, na Zona Leste de São Paulo, deve começar nesta quinta-feira às 13h. Ela tinha 18 anos quando foi assassinada por um grupo de rapazes.
De acordo com o Ministério Público (MP), Van Basten Bizarrias de Jesus, de 26 anos; Iago Bizarrias de Deus, de 24; Jefferson Rodrigues Paulo, 26; Bruno Rodrigues de Oliveira e Wilson de Jesus Marcolino, 22; espancaram Laura com socos e pauladas após discussão e briga na Zona Leste da capital.
Todos respondem ao processo por homicídio em liberdade. O júri popular deles vai ocorrer no Fórum Criminal da Barra Funda, na Zona Oeste. Sete jurados decidirão se serão condenados ou absolvidos. A sentença será dada pelo juiz Roberto Zanichelli Cintra, da 1ª Vara do Júri.
Em junho de 2022, a Justiça de São Paulo aumentou de R$ 50 mil para R$ 100 mil o valor da indenização por danos morais a ser paga pelo governo de São Paulo aos pais de Laura. A decisão é na esfera cível.
Laudo do Instituto Médico-Legal (IML) concluiu que a causa da morte da travesti foi em decorrência do traumatismo craniano que ela sofreu. Exames médicos apontaram que a vítima morreu de “traumatismo cranioencefálico causado por agente contundente”.
PMs não protegeram Laura
De acordo com a Justiça, dois policiais militares chamados por testemunhas para atender a ocorrência que envolvia Laura foram omissos, truculentos e descuidados. Eles deveriam socorrer a vítima, mas, em vez disso, também a agrediram.
Apesar de os agentes da Polícia Militar (PM) não terem sido acusados de participar diretamente do assassinato da travesti, eles foram considerados irresponsáveis por não a proteger. Os PMs se distraíram e permitiram, por exemplo, que Laura entrasse na viatura policial, dirigindo o veículo até batê-lo num muro.
Um dos PMs então a agrediu e o outro atirou no braço dela. Depois deixaram de socorrê-la. Em seguida, ambos deram uma versão fantasiosa na delegacia, omitindo tudo o que aconteceu. Só contaram a verdade depois de serem confrontados pela Polícia Civil.
E é justamente por causa dessas falhas dos agentes da Polícia Militar que o juiz Kenichi Koyama, da 11ª Vara de Fazenda Pública do Foro Central, atendeu o pedido da Defensoria Pública para aumentar o valor da indenização à família da vítima.
E manteve a decisão de condenar o governo de São Paulo a indenizar os pais de Laura por entender que o estado foi omisso no caso. Segundo o magistrado, os agentes públicos foram negligentes, imprudentes e ainda mentiram.
Indenização anterior foi de R$ 50 mil
Justiça condena governo a pagar R$ 50 mil à família de Laura Vermont
Em maio do ano passado, o mesmo magistrado havia determinado que o governo pagasse R$ 25 mil a Zilda Laurentino e mais R$ 25 mil a Jackson de Araújo, os pais de Laura. Mas, nesta semana, ele reconsiderou o pedido e dobrou esse valor, determinando que cada um deles receba R$ 50 mil.
Em 2020, a Defensoria havia entrado com uma ação na Justiça pedindo que o governo do estado de São Paulo pagasse indenização por danos morais de 4 mil salários mínimos (o equivalente a R$ 4,4 milhões) à família de Laura, mas esse montante não foi concedido.
Atuaram no caso as defensoras e defensores Isadora Brandão Araujo da Silva e Vinicius Conceição Silva Silva, do Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial, e Davi Quintanilha Failde de Azevedo, Fernanda Penteado Balera e Letícia Marquez de Avellar, do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos.
A Procuradoria Geral do Estado afirmou que “o processo já transitou em julgado”. “No dia 27 de março foi autorizada a expedição de ofício requisitório para pagamento do valor tido como devido”, disse em nota.
Transfobia
Zilda Laurentino e Jackson de Araújo, pais de Laura, e Vinicius Sala, amigo da travesti, aparecem ao lado de foto da vítima no Centro de Cidadania LGBT que recebe seu nome
Reprodução/Divulgação/Arquivo Pessoal/Facebook
“Crimes como esse infelizmente continuam ocorrendo. Pessoas, membros, LGBTs, homossexuais, no caso dessa jovem, ela, por ser trans, foi totalmente espancada. Isso tem que acabar no Brasil. Isso é um crime de ódio”, disse José Beraldo, advogado que representa os interesses da família de Laura no processo criminal que apura o assassinato.
A Polícia Civil, que investigou o caso, descartou, porém, a possibilidade de o assassinato e a agressão dos PMs diante da travesti terem sido motivados por transfobia. E concluiu que Laura morreu em razão dos ferimentos e das lesões causadas pelos cinco rapazes antes da abordagem policial.
Desconsiderou ainda qualquer participação dos PMs no homicídio, mesmo eles tendo agredido e atirado nela depois que apanhou dos jovens.
Segundo os agentes da Polícia Militar, Laura roubou o veículo da corporação. Advogados que defendem os interesses da família de travesti contestaram essa versão. Eles alegaram que a vítima pegou o carro da corporação para fugir dos jovens agressores.
A travesti Laura Vermont postou esta última foto no Facebook em 2015
Reprodução/Facebook/Laura Vermont
Os agentes chegaram a ser presos por darem depoimentos falsos à Polícia Civil. Depois, foram soltos.
Por meio de nota, a Polícia Militar informou que os policiais que atenderam a ocorrência foram exonerados em 2016 em razão das falhas que cometeram no caso de Laura. O soldado Diego Clemente Mendes, de 23 anos, atirou no braço da travesti. Ele e o sargento Ailton de Jesus, de 44 anos, também deixaram de socorrer a vítima. Ambos alegaram à época que agiram para se defender de Laura.
De acordo com a Justiça, Laura morreu ainda na Avenida Nordestina, antes de ser socorrida pelos próprios familiares dela e levada ao hospital. Mas o atestado de óbito informa que ela morreu na unidade médica. Segundo o laudo do Instituto Médico Legal (IML), a causa da morte foi traumatismo craniano em decorrência das agressões que sofreu dos rapazes. A vítima recebeu socos e pauladas na cabeça.
Réus e vídeos
Vídeo de 2019 mostra como julgamento de acusados de matar travesti, mas júri foi adiado
Câmeras de segurança de uma padaria gravaram as agressões e ajudaram a polícia a identificar os outros jovens. As imagens circularam nas redes sociais à época (veja vídeo acima).
Os rapazes chegaram a ser presos em 2015, mas atualmente respondem ao assassinato em liberdade.
Van Basten Bizarrias de Deus, de 29 anos; Iago Bizarrias de Deus, de 27; Jefferson Rodrigues Paulo, de 29; Bruno Rodrigues de Oliveira e Wilson de Jesus Marcolino, de 25, são acusados de homicídio doloso (intencional) contra Laura Vermont. Além de amigos, alguns dos cinco réus são parentes.
O júri popular deles já foi adiado duas vezes. Deveria ter ocorrido em setembro de 2019 e, depois, em março de 2020. Produção de mais provas e pandemia de coronavírus foram os motivos alegados pela Justiça para os adiamentos anteriores.
Sete jurados irão decidir se absolvem ou condenam os réus pelo crime. A pena para homicídio pode chegar a 30 anos de prisão.
O prefeito Fernando Haddad participa da inauguração do Centro de Cidadania LGBT Leste ‘Laura Vermont’ e da Unidade Móvel de Cidadania LGBT Leste na Avenida Nordestina em São Miguel Paulista, São Paulo
Peter Leone/Futura Press/Estadão Conteúdo
Outro vídeo mostra Laura caminhando com o rosto ensanguentado. O funcionário do posto que gravou as imagens com o celular pergunta: “O que foi?” A vítima responde e pede ajuda: “Você sabe como é que é. Você me leva para o pronto-atendimento?”
Essa filmagem teria sido feita momentos antes de Laura pegar a viatura dos dois policiais militares que atenderam a ocorrência.
O g1 não conseguiu localizar as defesas dos rapazes e dos PMs para comentarem o assunto até a última atualização desta reportagem.
O assassinato provocou a reação de travestis nas redes sociais. A repercussão foi tamanha que, em julho de 2016, a prefeitura inaugurou o Centro de Cidadania LGBT Laura Vermont em homenagem a Laura. O local fica na mesma via em que ela foi agredida, a Avenida Nordestina, em São Miguel Paulista.
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