Um país em Minas: o dia em que Manhuaçu virou um república completa 127 anos

No dia 15 de maio de 1896, há 127 anos, quando Coronel Serafim Tibúrcio da Costa proclamou a independência e fundou a República de Manhuaçu (à época escrito com ss). Cidade de Manhuaçu, em 1890
Arquivo/Emerson Reis
O final do século XIX em Minas Gerais traz diversas histórias sobre revoltas e rebeliões populares que ocorreram nas cidades mineiras. A República Velha trouxe insurgências em diversos locais pelo país e uma delas aconteceu em Manhuaçu no dia 15 de maio de 1896, há 127 anos, quando Coronel Serafim Tibúrcio da Costa proclamou a independência e fundou a República de Manhuaçu (à época escrito com ss), instituiu moeda própria e assumiu o poder na região.
O país durou 22 dias, tempo que decorreu entre ocupação e a retomada da cidade mineira pelo Exército.
Além de delegado, o coronel era famoso na cidade por sua atividade de coletor de impostos. Durante o período em que morou lá, Serafim também acumulou denúncias de assassinato e outros crimes. Mesmo assim, chegou a ser prefeito, eleito em 1892.
Coronel Serafim Tibúrcio
Arquivo
A reviravolta aconteceu quando ele tentou se reeleger e foi derrotado. Nas urnas, 623 votos separaram o coronel do vigário. Porém, apesar do voto popular, Tibúrcio não assumiu o comando da cidade. Com apoio de outros coronéis locais, o vigário Odorico Dolabela tomou posse como prefeito em 1894.
“Como Minas Gerais estava no auge da sua produção cafeeira, junto com São Paulo, os coronéis tinham muito poder oligárquico. O poder brasileiro descentralizou e deixou nessas capitanias boa parte desse poder concentrado. Com isso, muitos exércitos particulares ganharam força e deram ainda mais poder a esses coronéis. Foi assim que Tibúrcio tomou Manhuaçu”, explica a historiadora Débora Mordente.
Inconformado, Serafim reuniu documentos e foi até Ouro Preto, capital do estado de Minas Gerais, para tirar satisfações com o governador Crispim Jaques Bias Fortes.
“Quando ele chega com as urnas e mostra que foi eleito pelo povo. O governador pergunta sobre os chefes políticos locais e Tibúrcio responde dizendo que eles não têm essa força e quem quem manda é o povo. Ele debateu com o governador, que deu de ombros e disse não poder fazer nada. Serafim Tibúrcio ficou revoltado e disse ao governador que ‘Vossa Excelência não passa de um simples prepotente’”, conta o historiador Flávio Mateus dos Santos, autor do livro “A República do Silêncio”, que conta a história da República de Manhuassú.
Ao voltar para a cidade, Serafim Tibúrcio encontrou uma situação ainda pior. Seus apoiadores tiveram as terras tomadas e o vigário iniciou uma forte campanha de difamação do coronel.
Em 1896, o coronel foi intimado a depor sobre um assassinato que cometera seis anos antes, quando ainda era delegado de polícia. Em um julgamento tumultuado, ele foi absolvido por legítima defesa da ordem pública, mas o episódio foi a gota d’água.
Em meio às ameaças, perda de poder e prestígio político, Serafim invade Manhuassú com seus apoiadores, entre moradores e jagunços da região, e expulsa as autoridades locais, proclamando a república.
“Geralmente quando a gente estuda a política do café-com-leite vemos os políticos como protagonistas, enquanto a República do Manhuassú é um movimento que tem as pessoas à frente dele, a população participando. Ela validou essa república. O povo não era apenas uma massa de manobra, era uma população que participava. Sofria com as informações distorcidas por parte dos políticos, mas tinha interesse em participar”, conta Flávio.
Foram 800 pessoas lideradas pelo Coronel Serafim Tibúrcio na invasão da cidade. O bando decretou a região como um país independente. Com a cidade sob domínio do coronel, as fronteiras foram fechadas e o território tomado por capangas.
O Governador do Estado, “enviou força policial de 25 praças que não chegaram a alcançar a região de Rio Casca, pois foi rechaçada. Mais tarde, novo contingente de cem homens foi enviado. Estes também não conseguiram penetrar, e, acabaram se deslocando para Carangola, onde tiveram a notícia de que Serafim Tibúrcio havia dominado a cidade e feito se aclamar governador ou presidente” conta o livro, A República do Silêncio.
O governador então solicitou o auxílio ao Presidente da República, Prudente de Moraes, para derrotar as forças do Coronel Tibúrcio. O Governo Federal enviou soldados do Exército e houve mortes nos conflitos.
Sabendo que o número de soldados federais era bem maior que o de pessoas envolvidas com sua causa, o coronel desiste de lutar e ordena aos revoltosos que partam em direção ao Espírito Santo. a invasão das tropas federais no Município, encontrando a cidade de Manhuaçu quase deserta, restando apenas mulheres, crianças e alguns idosos.
O chefe de polícia responsável pela ação, Alberto Diniz, telegrafou ao doutor Secretário do Interior, Henrique Diniz, avisando o restabelecimento da ordem em Manhuaçu, no dia 3 de junho de 1896, noticiando a retomada do poder municipal pelas autoridades ‘legalmente constituídas’, conforme o livro de Flávio Mateus dos Santos.
A obra também menciona que “não foi aberto inquérito policial sobre esse fato porque o Coronel Serafim Tibúrcio e seus seguidores não foram encontrados pelo poder público para responder por suas ações ou pagar pelos crimes que cometeram”.
Manhuaçu 1898
Arquivo/Emerson Reis
A moeda
Assim que tomou o poder, o coronel nomeou seus seguidores para cargos de administração dos diferentes setores da república e criou o “Boró”, uma moeda que circulou por toda a região durante a república. A moeda tinha o mesmo valor dos réis, moeda brasileira à época. A nota do Boró, inclusive, possuía semelhanças à moeda brasileira.
“Era muito comum naquele período, pela ausência do poder do Estado, as pessoas fazerem pequenos documentos, cartas, como uma espécie de cheque para atribuir valores a mercadorias. Coronel Tibúrcio fez diferente, ele cunhou a própria moeda. A palavra boró, no tupi-guarani, quer dizer peso – que é o nome dado às moedas de diversos países da América Latina. Ele coloca diversos ícones que lembram a nora de um mil réis, era muito semelhante”, destaca Flávio.
Mudança da capital de Minas
Este capítulo em Manhuaçu teve impactos diretos na história de Minas Gerais. Um deles é a mudança da capital do estado de Ouro Preto para Belo Horizonte. A decisão já havia sido tomada em 1893, mas a insurgência em Manhuaçu ajudou a acelerar o processo.
“A partir disso, Bias Fortes percebeu que não tinha mais condições de Ouro Preto ser capital mais. Já estava inviável, já havia a discussão e a definição de que teria a mudança e, com isso, eles falaram que era necessário que houvesse um lugar onde o café pudesse ser melhor comercializado, onde tenha mais comércio e a oligarquia possa ser mais dissolvida. Essa concentração de poder em pequenas cidades estava gerando muita confusão, o estado inteiro estava em guerra, não só em Manhuaçu. Ali aconteceu a peculiaridade de virar uma república, foi algo inédito. Então para evitar que isso acontecesse em outras cidades e, assim, o governo de Minas ia perder o pouco domínio que ainda tinha sobre essas localidades, um ano depois inaugura Curral Del Rey, que passou a se chamar Belo Horizonte”, explica Débora.
A morte de Serafim Tibúrcio
Antes de se mudar para Espera Feliz, o coronel morou em Afonso Cláudio (ES), retornando à vida política e elegendo-se vereador. Foi proprietário de terras e outros imóveis protagonizando muitas outras manifestações políticas.
Coronel Serafim Tibúrcio da Costa faleceu no dia 19 de novembro de 1919, por morte natural, aos 68 anos de idade, em Espera Feliz, a cerca de 70km de Manhuaçu. Como a ferrovia já havia sido inaugurada em Manhuaçu (entre 1915 e 1918), o féretro foi transportado por trem de ferro, vindo da cidade vizinha.
O enterro mostrou o quão popular era Serafim Tibúrcio da Costa e o carinho que a população de Manhuaçu tinha com ele, mais de vinte anos depois da insurgência.
“O meu pai, o sogro do meu pai e meu avô disseram que foi o enterro mais concorrido que eles jamais viram em suas vidas. Saiu da estação ferroviária e não houve cortejo, o caixão foi passado de mão em mão até chegar ao cemitério, e o único vestígio que restou foi uma palmeira, que eu ainda creio que exista lá… E nesta palmeira, dizem que debaixo dela está o corpo do Serafim Tibúrcio, que pediu para ser sepultado em cova rasa’”, relatou Celso de Oliveira, antigo morador, em entrevista ao professor Flávio Mateus, no ano de 2005.
Em 1977, ano do centenário de Manhuaçu, foi esculpido um busto em homenagem à memória do coronel, mas a obra ficou guardada durante muito tempo aos cuidados da Casa de Cultura. Em 2022, o busto foi restaurado após pichações no monumento, que é um Patrimônio Histórico inventariado de Manhuaçu.
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