Como o ‘fascismo russo’ originou um novo termo na Ucrânia

como-o-‘fascismo-russo’-originou-um-novo-termo-na-ucrania


Quando os ucranianos falam na invasão de seu país por Moscou, frequentemente aparece a expressão “russismo”. Termo foi definido formalmente pelo Parlamento em Kiev como “tipo de ideologia totalitária”. Caminhões com mísseis balísticos desfilam em ensaio para parada militar do Dia da Vitória em Moscou, na Rússia, em 7 de maio de 2023.
Dmitri Lovetsky/ AP
Desde a invasão russa, a palavra “russismo” faz parte do vocabulário cotidiano na Ucrânia. Cidadãos, mídia e políticos a usam para traçar paralelos entre a atualidade e a Segunda Guerra Mundial. “Russismo é um termo que ficará na história”, disse no final de abril o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski.
A expressão já era usada antes e não apenas na Ucrânia. Agora o Parlamento ucraniano definiu o termo pela primeira vez. Uma declaração sobre o projeto de resolução aprovado em 2 de maio afirma que “russismo” é “fascismo russo”.
“Russismo” surgiu anos atrás nos círculos jornalísticos do espaço pós-soviético. É uma fusão das palavras inglesas “Russia” (Rússia) e “fascism” (fascismo). Na União Soviética, o termo “fascismo” era usado como sinônimo de nazismo. Nos Estados sucessores da União Soviética, sobretudo na Rússia, ainda hoje é assim. No Ocidente, por outro lado, o fascismo é usado principalmente com referência ao regime na Itália que surgiu na década de 1920.
Após a anexação da Crimeia em 2014, o “russismo” começou a ser usado com cada vez mais frequência na Ucrânia. “Na sociedade ucraniana, ocorreu uma busca por um nome adequado para o agressor”, diz Serhii Plokhy, professor de Harvard e historiador especializado em Ucrânia, acrescentando que o termo “russismo” visto em uma resolução parlamentar reflete esse processo.
“Russismo” segundo o Parlamento ucraniano
A resolução do Parlamento da Ucrânia descreve “o russismo como um novo tipo de ideologia e prática totalitária”, a base do “regime” estabelecido na Rússia sob o presidente Vladimir Putin. O Parlamento em Kiev inclui nisso o “chauvinismo e o imperialismo” russos, além do legado do “regime comunista da URSS e do nazismo”.
Em uma lista de características do “russismo”, os parlamentares ucranianos mencionam, entre outras coisas, “violações sistemáticas dos direitos humanos e das liberdades fundamentais”, “culto à violência e ao militarismo”, “culto à personalidade do líder e sacralização das instituições estatais” e “autoengrandecimento da Rússia e dos russos às custas da opressão violenta e/ou negação da existência de outros povos”.
O último ponto claramente diz respeito à visão disseminada pela propaganda russa de que os ucranianos não existem como um grupo étnico independente.
“Este é um passo original que é incomum e provavelmente surpreende muitos historiadores, diplomatas e jornalistas”, diz Andreas Umland, especialista em Ucrânia do Centro de Estocolmo para Estudos do Leste Europeu. Ele avalia que, dessa forma, é criado um termo que leva em conta as características russas e, ao mesmo tempo, permite fugir das comparações com o nacional-socialismo alemão, as quais nem sempre se justificam. “O fascismo alemão foi algo especial, algo especificamente alemão”, sublinha o especialista.
O historiador especialista em Leste Europeu Martin Schulze Wesel, da Universidade de Munique, considera o termo “russismo” apropriado. “É uma decisão política do Parlamento ucraniano chamar a Rússia dessa forma, o que é completamente compreensível em uma guerra.”
Sem “antissemitismo programático”
“O termo ‘russismo’ faz sentido, porque enfatiza as semelhanças existentes com o fascismo, mas ao mesmo tempo enfatiza as especificidades russas”, explica Schulze Wessel. Entre as semelhanças, o historiador cita “relação à figura de um líder, culto à personalidade e, até certo ponto, militarismo”. Como ponto de diferença, Schulze Wessel menciona o antissemitismo.
O jornalista alemão e especialista em Ucrânia Winfried Schneider-Deters também lembra da ausência de um “antissemitismo programático” na Rússia. Para ele, “fascismo russo” é uma expressão alternativa para “putinismo”. “Putinismo é fascismo, uma das muitas variantes do original italiano”, frisa Schneider-Deters.
Andreas Umland aponta outra diferença: “Pesquisadores veem o fascismo como uma ideologia revolucionária que trata da remodelação, do renascimento de um todo o país. Este não é o caso da Rússia.” Ele afirma que isso também tem algo a ver com o fato de que “ao contrário de Hitler, Putin é um representante do antigo regime”, ressalta Umland. “O chefe do Kremlin é um funcionário do regime soviético que olha para o passado e não tanto para o futuro”.
Termo ajuda a Ucrânia sob o direito penal?
O Parlamento ucraniano condenou o “russismo” e quer apelar à ONU e outras organizações internacionais, governos e parlamentos para que façam o mesmo. Kiev tem esperança não apenas de conseguir “lembrar o mundo dos crimes da Rússia”, mas também, mais tarde, responsabilizar a liderança russa.
Os especialistas não acreditam que o termo “russismo” será reconhecido e difundido internacionalmente. Martin Schulze Wessel avalia que, para o direito penal internacional, apenas crimes internacionais seriam relevantes como, por exemplo, crimes contra a humanidade. Winfried Schneider-Deters colocou desta forma em seu ensaio sobre o tema: “Não importa se a classificação do ‘putinismo’ como ‘fascismo’ (ou como ‘nazismo’) é científica ou não, enquanto durar a ‘guerra de Putin’ na Ucrânia, o que importa é o efeito jornalístico deste termo”. Historiadores e cientistas políticos podem, segundo ele, se preocupar com a “classificação científica” mais tarde – depois da guerra.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.