Madonna, Katy Perry, Bruno Mars… por que artistas pop escolheram o Brasil em 2024?


Ano foi marcado por visitas ‘especiais’ de artistas para promover seus trabalhos. Rosé, Katy Perry, Bruno Mars, Madonna e The Weeknd vieram ao Brasil para ‘ocasiões especiais’ em 2024
Reprodução
A visita surpresa de Beyoncé à Bahia, no fim de 2023, foi quase um presságio sobre o ano que estava por vir. Em 2024, o Brasil foi um destino visado por muitos artistas pop, que escolheram o país para vindas especiais – e acontecimentos que geralmente são reservados ao hemisfério norte.
Afinal, só neste ano:
Madonna fez o maior show da sua carreira na Praia de Copacabana;
The Weeknd fez uma apresentação única e exclusiva, com músicas inéditas, em São Paulo;
Katy Perry escolheu lançar um disco na data de seu show no Rock in Rio;
Bruno Mars fez uma longa passagem pelo Brasil, com direito a aniversário, ida a jogo de futebol e posts especiais;
Rosé, do Blackpink, veio ao Rio de Janeiro para encontrar “Bruninho”, no dia do lançamento da parceria “APT”.
Não é exagero dizer que, em 2024, o “Come to Brazil” foi levado à sério. Artistas entenderam o Brasil não só como um bom local para vender shows, mas como uma das melhores ferramentas de promoção para os seus trabalhos. Mas afinal, o que tem atraído os grandes nomes pop ao Brasil?
O país do engajamento
Trazer um show ou uma oportunidade exclusiva para cá é uma ótima notícia para os fãs brasileiros. Mas se engana quem pensa que a vantagem é somente nossa.
Em tempos de redes sociais, conquistar o Brasil significa ganhar engajamento massivo. Neste ano, quem percebeu isso foi o ator Vincent Martella (“Todo Mundo Odeia o Chris”), que ganhou milhões de seguidores após usar uma camiseta que dizia “Eu sou famoso no Brasil”. O americano, que não é tão famoso nos EUA, arrematou “publis” para a Fanta e o Burger King brasileiro, foi tietado ao vir para o país e deu entrevistas para vários veículos nacionais.
Vincent Martella
Reprodução/Instagram
Foi também em 2024 que a influenciadora americana Courtney Henning Novak viralizou após ler Machado de Assis. Além de ganhar milhares de seguidores, ela visitou o país e publicou vídeos lendo Clarice Lispector, Mário de Andrade, Guimarães Rosa, e até assistindo à novela “Avenida Brasil”. Seus vídeos sobre cultura brasileira têm mais visualizações que os conteúdos sobre outros assuntos.
A prova definitiva da força do engajamento – e da cultura de fãs – no Brasil foi a queda do X. “O fandom de celebridades no mundo todo está em desordem”, escreveu a Associated Press. Já a NBC News disse que “a espinha dorsal da cultura de fãs no Twitter foi quase totalmente silenciada”.
‘Auxílio emergencial’ de artistas internacionais?
Katy Perry levanta bandeira do Brasil
Reprodução/Instagram
Quando Katy Perry marcou seu show no Rock in Rio para a mesma data que lançaria o álbum “143”, ela não sabia que estaria em um momento turbulento na carreira. O que provavelmente imaginava era que aqui encontraria fãs prontos para apoiá-la, tanto no palco quanto fora dele, independentemente de como estivesse sua imagem. Deu certo.
“Katy fez uma apresentação triunfante diante de um mar de pessoas extasiadas no Rock in Rio na noite do lançamento de ‘143’. A multidão cantou junto em alto volume até mesmo o criticado single ‘Woman’s World’”, apontou o site americano especializado em música Pitchfork.
Essa recepção positiva poderia ter acontecido em outros lugares, mas, nesses casos, o Brasil é quase sempre garantia de sucesso. Não à toa, na internet, o país foi apelidado de “auxílio emergencial de artistas internacionais”.
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Mas por que estamos de braços abertos para tantos artistas gringos (até aqueles que não estão em alta)? Para a professora Aianne Amado, doutoranda em Ciências da Comunicação pela USP e especializada em estudar os fãs brasileiros, há uma explicação histórica.
Ela lembra que os brasileiros têm contato com a noção de “estrangeiro” desde o Brasil colônia – e que a hierarquia social dessa época, que valorizava tudo “que vem de fora”, deixa marcas até hoje.
“A família real veio morar aqui, então nós nos formamos a partir de uma economia dependente da colônia. A gente já aprende a olhar para a colônia como o referencial econômico, de cultura e político”, conta. “Os costumes de Portugal, as tradições, tudo isso fica acima. E aí a gente tende a ir em busca desse capital social”.
Para ela, esse sentimento se intensificou após a Segunda Guerra Mundial, com a influência da cultura americana sobre o resto do mundo.
“Hoje, a gente tende a preferir produtos internacionais porque representam uma cultura que aprendemos que é a ideal. A cultura brasileira é riquíssima e subvalorizada no nosso país, enquanto muita gente acha que a cultura externa é melhor por causa de toda essa construção histórica. A gente tende a achar que o que vem de fora é melhor, que o filme internacional é melhor que o filme brasileiro”.
Combine isso à falta de privilégios que o país costuma ter, frequentemente excluído de turnês mundiais e grandes eventos culturais. Quando o Brasil finalmente conquista um lugar na agenda de um admirado artista, trata-se de uma oportunidade de ouro para os fãs, que “competem” para fazer cada vinda valer a pena. E quem ganha é o ídolo.
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A cultura dos fandoms dialoga com a cultura brasileira, e os fãs têm um comportamento similar às torcidas de futebol: são práticas enraizadas na paixão, que movimentam a economia.
Segundo um estudo deste ano da consultoria de marketing Monks, em parceria com o instituto de pesquisa comportamental Floatvibes, 38% dos brasileiros se dizem fãs de alguém. Eles gastam, em média, R$ 199,41 por mês com produtos ou experiências relacionadas aos seus ídolos (ingressos, álbuns, itens de merchandising, entre outros).
Entre os fãs questionados, 37% afirmam acreditar que a dedicação ao ídolo pode ser medida pela quantidade de dinheiro gasto para alimentar a relação com ele.
Tudo isso se converte em um retorno valioso para os artistas. “Mercadologicamente, é óbvio que faz muito sentido porque é uma publicidade ‘gratuita’ para eles. O boca a boca do brasileiro faz muito sentido. E comercialmente também, no sentido de vendas, de circulação, de engajamento digital”, acrescenta Aianne.
Bruno Mars
Reprodução/Instagram
Jeitinho brasileiro
No filme “Bohemian Rhapsody”, baseado na história real do Queen, Freddie Mercury mostra à sua namorada, Mary, o show da banda no Rock in Rio de 1985. Ele aponta para a televisão e diz: “Eu não sabia se entendiam uma palavra do que eu dizia. De repente… Todos cantando. Milhares deles”.
A cena, inspirada em relatos verdadeiros da banda, relembra um traço essencial do nosso país. Vários motivos mercadológicos atraem artistas ao Brasil, mas um “jeitinho brasileiro” marca os shows feitos aqui. Quando milhares de pessoas de outro país entoam cada verso de cada música, isso serve como uma “consolidação” do tamanho do artista – para ele mesmo e para o mundo.
“Vocês sempre estiveram lá por mim. Aquela bandeira, aquela bandeira verde e amarela, eu a vejo em todos os lugares. Eu a sinto em meu coração”, disse Madonna no show em Copacabana.
A forma que o público brasileiro trata os shows – com calor e entusiasmo – é, por exemplo, um dos fatores que transformou o show da Madonna em um misto de “evento de Copa do Mundo, carnaval de rua e celebração de Ano Novo combinados”, como descreveu o New York Times. Afinal, trata-se de um público habituado às festas com grandes multidões (não à toa, 4 dos 10 shows com o maior público na história aconteceram no Brasil).
Fã de Madonna, Ernesto Magalhães se veste de ‘Material Girl’ para show em Copacabana
Thaís Espírito Santo/g1 Rio
Aianne diz que não sabe quantificar, “em termos científicos”, por que há tanto calor nas plateias brasileiras. “Eu acho que é uma característica do nosso povo. O calor, a alegria, o abraço brasileiro é diferente de outros lugares. Já tentei procurar em antropólogos, sociólogos, mas quantificar isso é uma dificuldade que eu ainda tenho”.
“O brasileiro sabe que tem um diferencial e gosta de mostrar isso. Temos orgulho em receber o titulo de ‘melhores fãs do mundo’ e fazemos de tudo para mantê-lo. É uma validação importantíssima para nós”, completa.
No fim das contas, vir ao Brasil rende engajamento, mídia espontânea e fortalece a relação fã-artista. Mas, sobretudo, cria momentos inesquecíveis: um festival como o Rock in Rio, por exemplo, lotado de fãs com a letra na ponta da língua, é difícil de replicar. Tem coisa que só tem no Brasil.
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