Idosa que usou crochê para curar depressão de mais de 30 anos se torna empreendedora com loja on-line em MG


Zilá Ferreira Gonçalves tem 76 anos e mora em Uberlândia. Aos 14 anos ela aprendeu a arte do crochê e tempos depois usou a técnica como oportunidade para se ver livre da doença. Idosa que usou crochê para curar depressão de mais de 30 anos
Aos 14 anos, Zilá Ferreira Gonçalves tinha como passatempo favorito imitar as freiras enquanto elas faziam crochê no Colégio Irmã Salesiano, em Uberlândia. Já nessa idade, ela começou a costurar e treinava a arte do crochê.
Corrente, ponto alto, ponto baixo, puxa. Essa era a ordem que ela repetia inúmeras vezes e hoje, aos 76 anos, vó Zilá, como é chamada nas rede sociais, ainda se lembra de cada movimento. Ela contou ao g1 sobre o hobby, que a salvou de uma depressão por conta de traições do marido e das mortes dele e do filho.
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Retalhos
Dona Zilá
Reprodução/Arquivo pessoal
Na grande colcha de retalhos da vida de Zilá, existem pontos que nem mesmo o tempo foi capaz de desfazer. A costureira, que trabalhava como doméstica e teve os estudos interrompidos no quarto ano, foi arrebatada por um amor inocente aos 17 anos.
Altamiro era o nome desse amor, que com o tempo transformou a amizade em um relacionamento que durou até a morte dele.
“Nossa amizade começou assim, sem nenhum tipo de interesse. Íamos juntos para a igreja e com o tempo foi desenvolvendo um sentimento. Teve uma vez que ele me entregou uma carta muito bonita que eu guardei até outro dia. Hoje eu sei que não foi ele quem escreveu, não tinha cabeça para isso, mas eu fiquei muito apaixonada. Tudo era o Altamiro”, lembra.
Dona Zilá contou que os primeiros anos ao lado do marido foram felizes. Mas, como toda história real, existem momentos em que os retalhos se desgastam e acabam se rasgando.
A analogia descreve bem o que aconteceu com a vida de Zilá. Um burburinho foi a força excedida que rompeu a trama de seu casamento.
“Eu era muito nova, descobri que há dez anos ele estava com outra mulher. Essa foi uma das tristezas em minha vida, mas eu nunca quis me separar, sempre acreditei no meu casamento”.
Na igreja, acompanhada da sogra, Zilá seguia com suas crenças e pedidos para que tudo voltasse como antes, sem traições.
“Comecei a pedir para que Deus tirasse ele do meu coração, eu o amava muito e era doído saber que ele estava me traindo”.
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Aos 50 anos, Zilá se dedicava ao trabalho para manter a casa. Ainda nessa época, o crochê não era prioridade e se restringia às gavetas da casa.
Porém, em um dia ela desistiu do trabalho e voltou para casa em silêncio. Segundo ela, sentia uma dor, um vazio no peito e uma angústia que não era possível explicar. Tudo isso que não tinha nome para ela, mas é chamado por diversos profissionais da saúde mental de angústia, que depois se tornou depressão.
“Ela pode ser compreendida como resultado de uma combinação de fatores biológicos, ambientais e sociais. Desencadeada por acontecimentos estressantes, perdas ou até mesmo questões químicas no cérebro, a depressão interfere de maneira significativa na vida da pessoa”, explicou o psicólogo Argeu Gonçalves.
Entre um ponto e outro, o crochê foi a saída encontrada por vó Zilá para vencer a doença.
“Minha casa virou um amontoado de tapetes. Quando o Altamiro morreu, continuei com o crochê para ocupar a sua ausência”, lembra Zilá.
Aos 74 anos, ela mantinha o crochê como hobby, mas outra das tristezas assolava o seu futuro.
“Era um dia comum. Meu filho estava em casa com um amigo e quando eram 22h ele decidiu que levaria o amigo para casa de moto. Eu tenho pavor de moto e foi assim que meu filho e o Altamiro morreram. Eu sempre disse que nunca iria visitá-lo [o filho] no hospital caso ele caísse de moto. Depois de um tempo eu recebi uma ligação dizendo que ele tinha ido para a UAI [Unidade de Atendimento Integrado] porque havia sofrido um acidente ao cair em uma vala na BR-050”.
O que era para ser um tratamento simples, acabou tirando a vida do filho de Zilá e intensificando seu processo depressivo.
“Hoje em dia eu me arrependo de não ter ido no hospital vê-lo”.
Empreendedorismo
Zilá e sua neta Vitória
Reprodução/Arquivo pessoal
O quarto escuro onde ficavam os amontoados de tapetes passou a ter luz quando Vitória, neta de Zilá, passou a morar com ela. Foi assim que surgiu a ideia de vender os tapetes e abrir uma loja on-line.
“Um dos principais efeitos positivos do crochê está relacionado ao mindfulness, ou seja, a capacidade de estar plenamente presente no momento. Ao focar nos movimentos das mãos e no desenvolvimento da peça, o praticante tende a reduzir os pensamentos negativos e repetitivos que são tão comuns na depressão. Dessa forma, o crochê pode atuar como uma pausa mental, aliviando temporariamente os sintomas. Outro benefício importante é o sentimento de realização que a atividade proporciona. Para uma pessoa deprimida, que muitas vezes sente uma ausência de propósito ou dificuldade para concluir tarefas, completar um projeto de crochê – seja um pequeno acessório ou uma peça maior – pode gerar uma sensação de conquista. Isso reforça a autoestima e o senso de controle sobre algo concreto”, ressaltou o psicólogo.
Com o nome de “Zilá Crochês” e o slogan “moda produzida a mãos e fios”, as produções de Zilá passaram a alcançar todo o Brasil e serem levadas inclusive para o exterior.
Junto com a nova oportunidade de empreender, a superação da depressão também se tornou realidade e hoje, a costureira consegue complementar sua renda com a arte.
Cliente da Dona Zilá, Nina levou bolsa feita pela costureira para a Itália
Reprodução/Arquivo Pessoal
“Já teve um mês ela conseguiu alcançar R$ 900, mas foi um mês atípico, venderam muitas bolsas e tapetes ao mesmo tempo. Ela vende bem baratinho e faz mais por amor mesmo, então acaba não tendo lucros altos”, ressaltou Vitória.
Segundo Zilá, o fim de uma obra de crochê acontece da seguinte forma: “após o último ponto, corte o fio que continua conectado ao novelo. Puxe a ponta solta completamente através da laçada na agulha. Aperte bem para garantir que o nó esteja firme e seguro. Verifique todo o trabalho para garantir que todas as pontas estão bem escondidas.
“Eu não deixo nenhuma ponta aparente. Cada ponta me salvou. Para tantas outras que talvez estejam enfrentando a depressão como eu já enfrentei, o crochê é muito bom, distrai a cabeça. Faz a gente não pensar nas coisas da vida”.
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