Com mais de 3 mil focos de queimadas em 20 dias, MP ajuíza ação civil para obrigar Estado a combater incêndios


Documento foi protocolado nesta sexta-feira (20) e será distribuído para uma das Varas da Fazenda Pública na segunda (23). Dentre as medidas estão o chamamento de aprovados no concurso do Corpo de Bombeiros e instalação de Delegacia Especializada em Crimes Ambientais. Incêndio em vegetação atinge área em Rio Branco
Arquivo/Polícia Militar do Acre
Com mais de 3 mil focos de queimadas nos primeiros 20 dias de setembro, o Ministério Público do Acre (MPAC) ajuizou uma ação civil pública com diversas medidas que o Estado precisa cumprir para combater os incêndios no território.
O documento foi protocolado nesta sexta-feira (20) e será distribuído para uma das Varas da Fazenda Pública na segunda (23).
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Conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre o dia 1º e esta sexta, já foram registrados 3.076 focos de queimadas em todo estado. O número representa um aumento de mais de 50% em relação ao ano passado, quando foram registrados 2.041 queimadas.
Entre as medidas de combate listadas pelo MP estão:
Deflagração de força-tarefa em 5 dias para ações de combate a incêndios;
Proibição imediata do uso do fogo na agricultura até o fim da tramitação da ação suspendendo a Portaria IMAC n.º 123/2024, que veta autorizações apenas durante o período de emergência ambiental;
Convocação imediata dos aprovados no concurso público para soldados do Corpo de Bombeiros;
Atribuição de lotações imediatas de Policiais Militares em pelotões ambientais, com designação especial para a região Tarauacá-Envira;
Aparelhamento imediato das equipes de combate a incêndios com equipamentos adequados e capacitação contínua;
Autorização para locação emergencial de maquinário para combate a incêndios;
Realização de mutirão pela Polícia Civil para investigar as causas dos incêndios, instaurando inquéritos policiais relacionados ao desmatamento ilegal;
Disponibilização de equipe especial conjunta para a realização de perícias ambientais.
O documento destaca também que o governo suspenda a emissão de Guias de Transporte Animal (GTA), de créditos e isenções fiscais e Planos de Manejo em imóveis com desmatamento ilegal; de benefícios fiscais do ICMS Ecológico para municípios que não comprovarem uso ambiental, a eficácia de Termos de Compromisso do Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac) com propriedades relacionadas a desmatamento ilegal.
MP-AC pede atuação da Polícia Militar nos trabalhos de combate a incêndios florestais
Arquivo/Polícia Militar do Acre
Outras medidas solicitadas são:
Embargo ambiental imediato de imóveis com desmatamento ilegal, bloqueio de Cadastros Ambientais e investigação administrativa;
Abstenção de regularização fundiária de imóveis com desmatamento ilegal;
Notificação de frigoríficos para abstenção de comercialização de animais de áreas embargadas;
Obrigação de envio mensal de autos de infração ambiental ao Ministério Público;
Formação de brigada de incêndio definitiva;
Comprovação de execução do Plano Estadual de Prevenção e Controle de Desmatamento;
Apresentação de informações detalhadas sobre a execução orçamentária;
Publicidade dos dados de supressão de vegetação e uso do fogo;
Acesso público e transparente aos dados de queimadas e infrações ambientais;
Proposição de medidas para aprimorar o Cadastro Ambiental Rural e o monitoramento do desmatamento;
Aparelhamento de órgãos de fiscalização ambiental e publicação de resultados;
Ampliação da rede de monitoramento da qualidade do ar;
Realização de concurso público no Imac e órgãos de defesa ambiental;
Instalação da Delegacia Especializada em Crimes Ambientais;
Inclusão de dotação orçamentária superior para o meio ambiente na LOA de 2025.
“A ação estabelece uma série de medidas a serem implementadas para garantir a alocação de recursos humanos, financeiros e logísticos para mitigar os incêndios e coibir o desmatamento ilegal. Além de pedidos com tutela de urgência, o MP-AC requer a adoção de medidas de caráter definitivo que assegurem políticas eficazes de prevenção e controle de queimadas”, divulgou o órgão.
Ação civil estipulou multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento das obrigações por parte do governo.
O g1 entrou em contato com a assessoria de comunicação do Estado e aguarda retorno.
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Ações de combate
Em junho, o governo do Acre montou um gabinete de crise para discutir e tomar as devidas medidas com redução dos índices de chuvas e dos cursos hídricos, bem como do risco de incêndios florestais. O decreto com a criação deste grupo foi publicado no Diário Oficial do Estado (DOE) e fica em vigência até dia 31 de dezembro deste ano.
Esse gabinete tem avaliado a situação da poluição do ar diariamente e repassado as orientações às autoridades competentes.
No final de agosto, com intuito de reduzir o número de queimadas, focos de incêndio e desmatamento no Acre, o governo lançou a Operação Sine Ignis (Sem Fogo). As ações são coordenadas pela Casa Civil, Defesa Civil e pela Secretaria do Meio Ambiente.
Nível de poluição do ar fica mais de 30 vezes acima do considerado aceitável pela OMS
Além da Casa Civil, a Defesa Civil e a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), as ações são desenvolvidas também pelo Instituto do Meio Ambiente do Acre (Imac), o Grupo Especial de Fronteira (Gefron), o Cento Integrado de Operações Aéreas (Ciopaer), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Batalhão de Policiamento Ambiental (BPA).
Já no início deste mês, o governo do Acre anunciou o cancelamento do tradicional desfile de 7 de Setembro por causa dos índices de poluição do ar em Rio Branco, que chegaram a ficar acima de 700 µg/m3 (microgramas por metro cúbico) de material particulado, mais de 40 vezes além do que é recomendável pela OMS, que é de 15 µg/m3.
Durante o anúncio, o governador Gladson Cameli (PP) apresentou ainda ações emergenciais, como:
Suspensão das aulas da rede estadual entre os dias 5 e 11 de setembro
Liberação de servidores públicos acima de 60 anos de comparecerem ao trabalho presencial;
Extensão do horário de atendimento da Unidade de Saúde da Família (USF) do São Francisco e a Urap Cláudia Vitorino
Ativação de unidade de saúde especializada para atender casos de síndromes gripais;
Abertura de 10 novas vagas de leito no Hospital da Criança na capital;
Suspensão do uso do fogo, por meio da Portaria Nº 123/2024 do Instituto de Meio Ambiente do Ace (Imac);
Funcionamento do Gabinete de Crise por meio de decreto.
Para reforçar essas ações de combate, o Ministério da Justiça e Segurança Pública autorizou, na última quarta-feira (18 ), o uso da Força Nacional em Feijó, cidade do Acre com mais focos de queimadas.
As equipes começaram a atuar no município na quinta (19) e ficarão nas localidades por 90 dias em conjunto com as polícias Civil e Federal na investigação e combate das causas de surgimento de incêndios por ação humana.
As multas por crimes ambientais já ultrapassaram a marca de R$ 15 milhões no Acre, entre 1º de janeiro e a primeira quinzena de setembro, segundo o Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac).
Ainda conforme o órgão, responsável pela fiscalização de infrações contra o meio ambiente, a maior parte das autuações foi emitida por conta de queimadas e desmatamento ilegal. No mesmo período, entre janeiro e setembro, 2 mil hectares de terra foram embargados por conta de desmatamento e queimadas.
Poluição do ar em Rio Branco chegou ao nível perigodo nessa sexta-feira (20)
Pedro Devani/Secom-AC
Poluição
Desde o dia 2 de setembro o estado está encoberto por uma densa camada de fumaça causada pelas queimadas que têm ocorrido não apenas no Acre, mas também nos estados vizinhos, Amazonas e Rondônia, e nos países vizinhos, Peru e Bolívia, e se estabeleceu como uma das mais poluídas do país.
⚠️ A classificação da IQ Air, plataforma que monitora a qualidade do ar, varia entre “Bom”, “Moderado”, “Insalubre para grupos sensíveis”, “Insalubre”, “Muito insalubre” e “Perigoso”. Desde o início do mês, o Acre tem vivenciado principalmente as três últimas.
Na sexta (20), a poluição do ar piorou e chegou ao nível “perigoso” em Rio Branco. De acordo com a plataforma suíça IQAir, que utiliza sensores instalados em diversas localidades do planeta, a capital acreana tinha a concentração de partículas de 480 μg/m³ (microgramas por metro cúbico).
Levantamento aponta que incêndios já atingiram mais de 100 mil hectares no Acre
Naquele dia, Rio Branco foi a cidade é a mais poluída do país, segundo o levantamento feito pelas plataformas.
🚨 Os sensores apontam, inclusive, que o Índice de qualidade do ar (IQA) chegou a 1.045 IQA às 7h , sendo este o recorde desde o dia 6 de setembro, quando alcançou 922 μg/m³.
Por conta dessa poluição, as aulas no período da tarde de sexta e deste sábado foram suspensas da rede pública estadual.
Quais as causas de tanta fumaça?
Segundo a pesquisadora, professora da Universidade Federal do Acre (Ufac) em Cruzeiro do Sul e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Sonaira Silva, a principal origem da fumaça que encobre boa parte dos municípios acreanos vem do preparo de pastagens. A especialista, que tem diversas pesquisas relacionadas a queimadas, porém, os incêndios florestais também estão contribuindo para que 2024 tenha um cenário intensificado de queimadas.
Conforme o monitoramento via satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Acre já registrou 2.688 focos de queimadas no mês de setembro. O número corresponde a 87% do acumulado do mês inteiro no ano passado.
Para a professora, este ano pode ser o pior nos índices de incêndios. De acordo com estudos atuais, Sonaira afirma que já foram destruídos mais de 100 mil hectares de vegetação este ano até o início de setembro.
“A gente teve vários momentos de seca extrema, de picos de queimada muito altos, como desde 87, 1998, 2005, 2010. Mas, geralmente, eles eram concentrados no leste, oeste, ou ali na parte central [do estado]. Então, não ocorriam de forma intensa em todo o Acre. O que a gente está vendo em 2024 pode ser um dos piores ou até o pior ano. Está com um nível de queimada muito forte no estado inteiro, inclusive com incêndios florestais”, ressalta.
Os municípios que formam o Vale do Rio Juruá registraram, em um curto período de tempo, um número elevado de queimadas e que chegaram a grandes proporções.
Em menos de 10 dias, dois incêndios atingiram trechos do Parque Nacional da Serra do Divisor, em Mâncio Lima, no início de setembro, com mais de 100 hectares de floresta destruídos. No mesmo período, um outro incêndio atingiu uma área de mata na Vila Petencostes, em Cruzeiro do Sul, destruiu pelo menos 15 hectares de vegetação.
“Quando o fogo entra na floresta, a gente tem um prejuízo não só pra biodiversidade e ecologia dessa floresta. A gente fez um inventário em algumas dessas florestas e percebemos que elas não se recuperam mesmo depois de 20 anos. A gente estima que, dependendo do tipo de floresta, o impacto em espécies que a gente usa para construção, dos tipos madeireiros, ou então até as madeireiras, espécies que dão açaí e buriti, artesanato ou medicina, essa quantidade que a gente usa no dia a dia amazônico, pode reduzir de 20 a 100% dependendo do tipo de floresta. As florestas ali da Vila Pentecostes, que é um tipo muito sensível de floresta, endêmica, só existem nessas regiões isoladas, elas não são resistentes ao fogo. A gente estima que ali elas podem ter uma mortalidade de até 50% dessas árvores”, alerta Sonaira.
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