Salário de R$ 1.500 e meta de 30 cortes de energia por dia: a rotina dos terceirizados da Enel que são constantemente ameaçados em SP

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Após o assassinato de Odail Maximiliano por dono de academia inadimplente na Zona Leste, funcionários a serviço da concessionária narraram ameaças, agressões e medo no atendimento aos clientes. Muitos deles querem abandonar o trabalho por causa da violência. Trabalhadores da Enel em ação, ao lado da foto do funcionário terceirizado Odail Maximiliano Silva Paula foi assassinado pelo dono de uma academia na Vila Marieta, na Zona Leste de SP.
Montagem/g1/Enel/Divulgação/Reprodução/Instagram
Funcionários de empresas que prestam serviço para a concessionária de energia Enel estão com medo de voltar a fazer cortes de energia na cidade São Paulo, depois do assassinato de um colega de trabalho da empresa PSC Alpitel.
Odail Maximiliano Silva Paula foi morto na quarta-feira (13) pelo dono de uma academia na Vila Marieta, na Zona Leste da capital paulista, ao tentar cortar a energia do estabelecimento por falta de pagamento.
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O autor do crime é o educador físico Randal Rossoni, de 44 anos, que foi identificado e preso pela Polícia Militar no mesmo dia.
Em conversa com a reportagem do SP2, na condição de anonimato, um funcionário da PSC Alpitel disse que nas últimas semanas a empresa elevou de 25 para 30 o número de cortes diários que cada equipe da empresa precisa fazer para conseguir ganhar um bônus mensal . (veja vídeo abaixo).
Funcionário terceirizado da Enel é morto ao tentar cortar energia na Zona Leste de SP
O benefício varia de R$ 500 a R$ 1 mil por mês (dependendo da empresa), além do salário bruto de R$1.500.
“Quando eu entrei eram 25 cortes para alcançar a meta. Na sexta-feira passada, aumentaram para 30 cortes. A gente chegou a questionar a empresa dizendo que 25 cortes já era difícil, que dá muita confusão, mas o supervisor disse que se não fizer 30, a empresa não paga a bonificação pra gente”, afirmou o colaborador da empresa.
“A gente faz os cortes e ganha o salário normal fixo de R$ 1.500. Fora o salário, você tem uma comissão pelos cortes que você faz. Então, cada empresa coloca uma meta. O bônus vai de R$ 500 a R$ 1 mil”, afirmou.
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No dia do crime, o funcionário disse que encontrou com Odail na empresa. Ele conta que o rapaz, pai de um filho de sete anos, tinha fama de trabalhador dedicado e “gente boa” com os colegas.
O eletricitário da Alpitel também narrou uma rotina de constantes ameaças nas ruas. “Já fui agredido três vezes fazendo cortes. Numa das vezes, cortei e fui para o carro. E o dono do lugar me empurrou e nós dois saímos no braço em frente ao local. Eu me machuquei, nós caímos no chão”, contou.
“Ontem, nós fomos fazer um corte na casa de um rapaz que disse que se cortasse a energia ia ter tiro. Ele disse que conhecia policiais militares e não iria preso por isso”, disse o eletricista.
Segundo o sindicato dos eletricitários de SP, o piso salarial da categoria para atividade de corte de energia é de R$ 1.586,85. Devido ao baixo nível salarial as empresas aplicam bonificações por produtividade, podendo o trabalhador ampliar seu ganho em R$ 500 até R$ 1.500 mensais.
A entidade afirma também que, em algumas empresas, a meta de corte é de 30 a 40 por dia de trabalho das equipes.
O sindicato está numa campanha para incorporar esses valores ao salário, elevando o piso para R$ 2.640 e reduzindo a pressão sobre produção devido ao alto risco que envolve essa atividade.
O empresário e educador físico Randal Rossoni, de 44 anos, dono de uma academia na Vila Marieta, Zona Leste de SP.
Reprodução/Redes Sociais
Queixas diárias da categoria
O presidente dos Eletricitários, Eduardo de Vasconcelos Annunciato, afirma que queixas como as ouvidas pela reportagem são diárias na rotina de quem trabalha na linha de frente da Enel em São Paulo.
“São ameaças de toda ordem: arma em punho, faca na mão. Pessoal falando: ‘se cortar minha luz não vai descer do poste’, esse tipo de situação. E, do outro lado, as empresas colocam câmeras e dispositivos de controle para obrigar que os cortes sejam feitos”, disse Annunciato.
De acordo com o sindicalista, a categoria já tentou ir à Justiça para impedir que os funcionários sejam obrigados a usar câmeras de vigilância em áreas de grande perigo, mas as ações foram negadas diversas vezes pelo Poder Judiciário.
“Na época da implantação, os trabalhadores das terceirizadas da Enel até nos alertaram que essas câmeras colocam eles em risco. Porque eles entram em lugares em que até a polícia não entra. A gente ingressou com ações na Justiça, mas, lamentavelmente, o Judiciário entendeu que os empregados não têm liberdade de usar em locais onde é possível e não é. E a gente vem perdendo essas ações corriqueiramente”, explicou.
O empresário e educador físico Randal Rossoni, de 44 anos, dono de uma academia na Vila Marieta, Zona Leste de SP.
Reprodução/Facebook
Por conta do assédio moral para o cumprimento das metas, das agressões sofridas e agora do crime de um colega, o eletricitário ouvido pelo SP2 disse que já pensa em abandonar a profissão.
“É um fato que mexe muito com a gente e eu, sinceramente, tô pensando em sair fora. E muitos colegas estão pensando o mesmo que eu…”, declarou.
“Achei um absurdo o cara morrer por causa do corte de uma energia cortada. Eu saí da outra empresa porque estava cansado de fazer cortes e ser ameaçado. Tenho família e não quero ficar sendo ameaçado. Agora, a gente trabalha com mais medo. Pedi para mudar de setor e tô assim: vou para cortar, se der confusão e não der, eu vou embora. Não vou arriscar a minha vida.”
Funcionário da Enel atacado em posto da Zona Leste de São Paulo nesta quarta-feira (13).
Reprodução
Ameaças na linha de frente
Para Eduardo Annunciato, Odail Maximiliano foi assassinado por uma “engrenagem corporativa que tem colocado os trabalhadores cada vez mais em risco”, não apenas na linha de frente do atendimento da Enel nas ruas, mas também nas agências da empresa espalhadas pela cidade.
“Todos os dias alguém é agredido e ameaçado. O corte de energia é está no topo das queixas. Mas outro local que tem bastante problema é nas agências. Inclusive, no dia do ocorrido, a agência do Jabaquara foi depredada. Uma cliente estressada quebrou dois computadores. Os atendentes se afastaram e não foram agredidos. Mas já aconteceu muitas agressões dentro das agências”, declarou.
“O Odail foi vítima do sistema. No dia a dia a gente recebe muita reclamação de trabalhadores sendo agredidos e hostilizados na rua. Tanto na falta de energia como no corte, religação ou ligação nova. Por brutalidade e irracionalidade, esse rapaz foi assassinado. Mas a violência e o estresse está cada dia mais presente na vida desses trabalhadores. É uma engrenagem que tem colocado os empregados cada vez mais em risco”, declarou.
O que diz a empresa
Funcionário da distribuidora de energia elétrica Enel atendendo a chamado em SP
RENATO S. CERQUEIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
“A Enel São Paulo ressalta que a segurança de seus colaboradores é um valor fundamental para a companhia e que seus colaboradores são orientados e tem todo o suporte para suspenderem suas atividades caso constatem qualquer situação que represente risco a sua segurança. Essa orientação é repassada a todos os profissionais em treinamentos periódicos realizados pela distribuidora e seus parceiros.
A empresa acrescenta que a utilização de câmeras na execução de atividades de campo visa ampliar a segurança dos próprios colaboradores. As câmeras permitem, por exemplo, verificar o cumprimento de regras de segurança e a correção de procedimentos que possam oferecer riscos de acidentes elétricos ou de outras naturezas durante algumas atividades. Vale ressaltar ainda que os colaboradores são autorizados a desligar as câmeras, se necessário.
A Enel reafirma seu repúdio ao ato injustificável de violência cometido na última quarta-feira (13.03) contra a vida de um profissional eletricista que trabalhava para uma empresa parceira da companhia e solidariza-se com a dor de seus parentes e amigos.
A empresa está em permanente contato com a empresa parceira para que seja prestada adequada assistência à família do colaborador e seguirá acompanhando as investigações das autoridades policiais para que o crime não fique impune.”
O g1 questionou sobre a meta de cortes e os fatos narrados pelo Sindicato dos Eletricitários de SP, mas não recebeu retorno até a última atualização desta reportagem.
A PSC Alpitel também foi procurada, mas ainda não respondeu ao contato da reportagem.
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Novo protocolo contra a violência
O Sindicato dos Eletricitários disse que pediu às duas empresas o acesso às câmeras corporais ou ao carro que Odail Maximiliano trabalhava na noite do crime para entender tudo que aconteceu na tarde da quarta-feira (13), durante a tentativa de corte de energia na academia da Rua Antônio Carlos Lamengo.
Por meio da análise, o sindicato pretende criar protocolos de ação para orientar os empregados dessas empresas a evitar violência física, moral ou psicológica.
“Como a Aptel usa câmeras no uniforme e no carro, a gente quer saber onde estão essas imagens e o que ocorreu para que esse tipo de coisa não aconteça com outros trabalhadores. É muito importante a gente saber tudo que aconteceu até o momento do crime pra gente criar protocolos para que situações como essa não se repitam”, declarou Eduardo Annunciato.
Íntegra da nota da Enel
“Para a Enel, a segurança dos seus colaboradores e parceiros é um valor fundamental. A companhia repudia veementemente o ato injustificável de violência cometido nesta quarta-feira (13.03) contra a vida de um profissional eletricista que trabalhava para uma empresa parceira da companhia, durante a execução de uma atividade de corte de energia por inadimplência em um estabelecimento comercial no bairro Ermelino Matarazzo, zona leste da capital. Após realizar o serviço, Odail Maximiliano Silva Paula foi perseguido e baleado, tendo falecido depois de ser socorrido e levado ao hospital.
A companhia está em contato com a empresa parceira para que seja prestada assistência à família do colaborador e acompanhará as investigações das autoridades policiais para que esse crime não fique impune.
A Enel é uma empresa comprometida com a segurança de todos os seus colaboradores. Aqueles que trabalham em campo são orientados e têm o apoio da companhia para suspender suas atividades caso constatem qualquer situação de risco durante a realização do trabalho. Essa orientação é repassada a todos os colaboradores em treinamentos periódicos realizados pela distribuidora e seus parceiros”.

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