Câmara do Rio passa a detalhar encargo especial, mas dados de servidores que recebiam e não iam trabalhar estão indisponíveis

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O pagamento da gratificação especial pela Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro bateu recorde em maio.
O pagamento da gratificação especial pela Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro bateu recorde em maio: a conta passou de R$ 6,3 milhões – o maior valor entre os 17 meses disponíveis para consulta. Este mês, a câmara detalhou o encargo especial nos contracheques pela primeira vez (veja acima como os encargos foram distribuídos nos gabinetes no ano).
Entretanto, informações sobre servidores que foram mostrados pela série fazendo outras coisas bem longe da câmara em seus horários de trabalho não constam no sistema.
Uma série de reportagens da GloboNews e do RJ2 mostrou que informações sobre o “bônus secreto” que, por lei, deveriam ser públicas, na prática não podiam ser encontradas no Portal da Transparência da Câmara por quem procurava detalhes sobre o encargo especial. Em alguns casos servidores chegavam a receber duas gratificações por mês. Havia casos ainda de funcionários que desempenhavam outras atividades na hora do serviço, apesar de receber a gratificação especial.
Assim como ocorreu em abril, em maio de 2023, metade dos funcionários da casa ganhou o bônus.
Com a discriminção do bônus nos contracheques, a população e os órgãos de controle podem fiscalizar quem ganha a gratificação e quanto cada servidor recebe. A mudança que foi anunciada depois das reportagens (confira abaixo os valores por gabinete em maio).
Em menos de um ano e meio, a câmara gastou R$ 92 milhões com as gratificações até então secretas.

Regra de limite desrespeitada
A folha de maio, agora disponível no site, foi paga antes da exibição das primeiras reportagens e confirma o descontrole com o dinheiro público.
A regra que determina o limite de oito bonificações pra cada gabinete foi desrespeitada por 45 do total de 51 vereadores.
No topo do ranking, o presidente Carlo Caiado (PSD), que distribuiu 20 encargos especiais no próprio gabinete.
Além dele, outros 14 vereadores distribuíram, em maio, mais que o dobro do limite máximo.
Somadas, as gratificações concedidas por esses parlamentares passam de um milhão e setecentos mil reais.
Para as próximas folhas de pagamento, a câmara publicou novas regras para a concessão do bônus especial.
O limite de oito encargos por gabinete está mantido, mas agora a presidência da casa pode conceder mais gratificações para os vereadores que estejam com atividades complementares ao mandato.
A nova regulamentação não explica quais atividades são essas.
Servidor da Câmara de Vereadores do Rio trabalha em floricultura e foge de questionamentos
Maioria dos funcionários flagrados fora da Câmara segue com cargos
Além das regras desrespeitadas, as reportagens da GloboNews e do RJ2 mostraram que o dinheiro também vai parar no bolso de funcionários que não desempenhavam funções na Câmara, como Helton Lopes, que deveria bater ponto na comissão de licitações, mas tocava o próprio negócio: uma floricultura na Zona Sul do Rio.
E o médico Francisco Barreira, que ganhava o bônus especial, todo mês, mesmo com a rotina longe do Palácio Pedro Ernesto.
Os dois ex-funcionários ganharam mais de R$ 200 mil reais só com as gratificações da câmara desde janeiro do ano passado.
Só que o histórico desses pagamentos desapareceu do portal da transparência do legislativo.
No momento da consulta aos contra-cheques deles no sistema, apareceu o aviso: servidor sem rendimento na câmara.
Outros dois funcionários flagrados pelas equipes de reportagem longe do trabalho ainda estão com o emprego garantido.
Andrezza Borges é mulher do secretário de turismo, Gustavo Tutuca e ganhou mais de R$ 300 mil da câmara entre janeiro do ano passado e maio de 2023.
O salário de 20 mil por mês, turbinado pelo bônus especial, continua caindo na conta.
É que a vereadora Verônica Costa (PL) argumentou que Andrezza é a gestora das redes sociais da parlamentar e presta assessoria ao gabinete móvel junto à comunidade.
Pelas regras da câmara, os assessores dos vereadores não batem ponto eletrônico, nem precisam preencher um documento com horário do início e fim da jornada. Trabalho externo também está liberado.
E aí cabe a cada gabinete o controle da carga horária obrigatória de 30 horas semanais.
“A assinatura do ponto poderia ser feita não só pelo gabinete, como pela área de recursos humanos da câmara de vereadores, com auditorias internas. é possível pensar, por exemplo, nos relatórios de atividades pra garantir que esse servidor que tá sendo pago de fato esteja exercendo o seu trabalho e reduzindo o risco de funcionários fantasmas, que infelizmente existem como a reportagem mostrou”, diz Renato Morgado, da ONG Transparência Internacional.
Assessor parlamentar, Antônio Carlos Tito Moreno estava num bar no início da tarde de um dia útil quando foi filmado pela reportagem.
O servidor continua empregado no gabinete do vereador Doutor Gilberto (Solidariedade), com o salário de R$ 20 mil.
Já Laila Santuza perdeu o cargo de chefe do serviço de copa depois das nossas denúncias. A funcionária da câmara foi flagrada, em diferentes dias e horários, a 70km do trabalho.
Exonerada da função gratificada, Laila ganhou outro cargo. Um vereador que já recebeu doação eleitoral da professora agora vai abrigá-la. O novo local de trabalho é uma comissão presidida por Jorge Felippe (União Brasil), ex-presidente da Câmara dos Vereadores.
O que dizem os citados
A Câmara do Rio disse que a mesa diretora e o grupo de trabalho criado para estudar medidas de transparência estão fazendo uma revisão de todos os encargos junto a cada vereador. Sobre os servidores devolvidos aos órgãos de origem, a casa afirmou que vai verificar e corrigir o problema no sistema que não permite visualização de pagamentos anteriores de ex-funcionários.
Em relação ao caso de Laila Santuza, a câmara disse que a servidora da Prefeitura do Rio foi exonerada pela presidência, mas, em seguida, foi requisitada pelo vereador Jorge Felippe.-
O vereador Jorge Felippe declarou que Laila Santuza está cedida para a câmara sem ônus, está lotada na comissão de administração e assuntos ligados ao servidor público, onde, segundo ele, não ocupa nenhum cargo comissionado. Afirmou também que não há nenhuma ilegalidade na doação eleitoral feita por ela.
O vereador Doutor Gilberto disse que Antônio Carlos Tito Moreno cumpre integralmente o expediente de 30 horas de trabalho semanal, inclusive em finais de semana e feriados – como autoriza uma resolução da câmara.
O que são os encargos
Até o recente encargo especial nos contracheques, para tentar descobrir exatamente quem ganha a gratificação especial e quanto cada um ganha, a GloboNews e o RJ2 fizeram um requerimento via Lei de Acesso à Informação.
A Câmara não enviou a lista com os nomes e valores dos meses solicitados. No entanto, admitiu que o bônus existe, mas não está detalhado nos contracheques de seus funcionários.
Na resposta, a Controladoria-Geral da Câmara indicou um roteiro com oito passos para se ter acesso à folha secreta.
O passo a passo, porém, não foi nada simples. Em abril, a Câmara tinha 2.137 funcionários, entre efetivos e comissionados.
Para se descobrir quanto cada servidor ganhou de encargo especial, foi necessário abrir 2.137 contracheques, um por um. E depois calcular, por conta própria, o valor do encargo especial.
É ainda mais complexo porque o encargo especial está dentro do campo “verbas indenizatórias” – este sim disponível de maneira clara nos contracheques.
Pelo roteiro enviado pela Câmara, para se chegar ao valor do encargo especial que cada servidor recebe, é preciso pegar o valor das “verbas indenizatórias” disponível em cada contracheque e depois subtrair os valores de três benefícios fixos: indenização de alimentação, auxílio-transporte e auxílio-saúde. O que sobrar dessa conta é a gratificação secreta, o chamado “encargo especial”, que varia de R$ 2.366,44 a R$ 7.923,56.

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