Defensoria e entidades pedem fim da operação policial na Baixada Santista e a obrigatoriedade do uso de câmeras corporais

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Operação Escudo começou em 28 de julho de 2023 e foi finalizada, temporariamente, em 5 de setembro do ano passado, deixando 28 mortos. Retomada no início deste ano, rebatizada de ‘Verão’, e com menos tempo em vigor, a operação já matou 26 pessoas no litoral paulista. Operação Escudo em fevereiro de 2024
Reprodução/Redes Sociais e Carlos Abelha/TV Tribuna
A Defensoria Pública de São Paulo, em conjunto com a Conectas Direitos Humanos e o Instituto Vladimir Herzog, pediu nesta sexta-feira à ONU o fim da operação policial na Baixada Santista e a obrigatoriedade do uso de câmeras corporais pelos policiais militares.
O documento com informações e pedidos se refere a até então chamada Operação Escudo, recentemente rebatizada de Verão.
A Operação Escudo começou em 28 de julho de 2023 e foi finalizada, temporariamente, em 5 de setembro do ano passado, deixando 28 mortos. Retomada no início deste ano, e com menos tempo em vigor, a operação já matou 26 pessoas no litoral paulista.
Em ambos os anos, a operação foi deflagrada depois que policiais militares foram mortos.
O Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos (NCDH), da Defensoria, teve acesso a boletins de ocorrência referentes a sete vítimas dos policiais neste ano.
“Os autores pedem, entre outras solicitações, que os órgãos internacionais questionem o estado brasileiro sobre os eventos ocorridos durante a operação, especialmente no quanto às mortes ocorridas em Guarujá, São Vicente e Santos, além da devida apuração e adoção de medidas administrativas quanto aos envolvidos”, diz a nota.
Primeira fase da Operação Escudo
O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) reuniu ao menos 11 relatos de violações dos direitos humanos durante a primeira fase da operação.
Testemunhas relataram casos de execução, pessoas de outras regiões sendo levadas para serem mortas onde ocorria a operação, invasão de casas, omissão de socorro médico, ausência de câmeras ou identificação nas fardas, morte de moradores de rua, entre outros (veja os onze 11 relatos abaixo).
No relatório, o Conselho narra que, com a ajuda da líder das Mães de Maio, Débora Maria da Silva, conseguiu contato com familiares das vítimas da operação, testemunhas e líderes comunitários, que foram ouvidos no dia 14 de agosto. Em encontros em Santos e no Guarujá, os conselheiros recolheram os 11 relatos de violações dos direitos humanos:
O primeiro relato é sobre um jovem que recebeu dois tiros, mas sobreviveu. Segundo o relatório, ele ficou mais de quatro horas sem ser socorrido. “O SAMU não chegava no local. No hospital, não forneceram informações à assistente social da Defensoria Pública nem aos familiares. Ainda com um dreno no corpo, ele foi retirado por agentes do estado do hospital e levado para o Quinto Distrito Policial. De lá, ele foi conduzido para a CDP de São Vicente. Ele ainda está com um projétil no corpo e, até aquele momento, não havia notícia de que tenha sido realizada tomografia.”
O segundo relato diz respeito ao caso de um jovem que foi morto no Bairro da Jabaquara, em Santos, com um cachorro. Ele estaria dormindo na casa de um vizinho quando os policiais entraram e o executaram próximo da cama. As notícias são de que esse jovem foi morto pela manhã, mas a perícia só foi realizada no fim do dia.
O terceiro relato indicou invasões de domicílio, sem ordem judicial, no morro do São Bento, em Santos. Citou-se como exemplo o caso de atiradores de elite que invadiram a laje de uma casa, onde havia jovens e crianças. As forças de segurança proibiram a manutenção e destruíram as câmeras particulares que as pessoas do bairro mantinham nas portas de suas casas por segurança. Foi dito literalmente: “ninguém no morro pode ter câmera de monitoramento”.
O quarto relato narrou o caso do Jefferson Junio, um jovem que se encontrava em situação de rua na cidade de São Paulo, nas proximidades da Rodoviária do Tietê. Ele não morava no bairro da Prainha, em Santos, onde teria sido executado. A suspeita é de que ele tenha sido conduzido para a comunidade da Prainha, exclusivamente para se ali executado. Circulou a informação de que dias antes de ser morto, ele teria recebido sessenta reais e realizado saque com sua digital na Rodoviária do Tietê. Ele não tinha RG e, por isso, fazia os saques com a sua digital. A narrativa apresentada pela polícia é a de que ele teria sido encontrado com arma de fogo e com grande quantidade de droga, o que é incompatível com a situação de rua e de absoluta miséria em que ele vivia. Não há registro que ele tivesse antecedentes criminais.
O quinto relato também se refere à região da Prainha. No dia 29 de julho de 2023, no período da noite, começaram circular policiais encapuzados, sem câmeras corporais, na região. Usaram drones e helicópteros. Esse relato se concentrou em elencar casos de invasão de domicílios sem ordem judicial e de destruição de barracos com atuação truculenta dos policiais.
O sexto relato apresentou a situação no Jardim São Manoel. Durante a Operação Escudo, a polícia teria detido duas pessoas e as levado para uma viela. Depois de duas horas, essas pessoas saíram todas ensanguentadas. Os policiais desceram sem câmera e com mãos enfaixadas como na mesma forma utilizada por lutadores. Afirmou-se, ainda, que, no sábado, a polícia esteve de novo na comunidade, ocasião em que teriam quebrado novamente telefones.
O sétimo relato narrou o contexto de interesses empresariais e imobiliários na região de Santos. Uma empresa, por exemplo, teria interesse no território da comunidade “Alemoa”. Acredita-se que há uma ligação entre a violência e os interesses empresariais. Relatou-se também a realização desocupações forçadas por guardas municipal, sem ordem judicial.
O oitavo relato observou que os policiais que estavam morrendo na Baixada Santista eram policiais aposentados. Também foram suscitadas dúvidas sobre as condições da morte do policial (ex.: o tiro foi realizado de uma longa distância, mas a bala encontrada era de uma pistola).
O nono relato trouxe informações de que a Guarda Civil Municipal (GCM) estaria participando as operações, atuando com desvio de função.
O décimo relato apresentou a realidade da comunidade de Morrinhos Quatro. Muitas pessoas que foram mortas não possuíam sequer registro de antecedentes criminais. Não houve investigação ou direito ao contraditório. Eles foram executados sumariamente. Ouvia-se dos policiais, com frequência, na comunidade, a frase “se a gente pegar com passagem, vai para a vala”. De acordo com a pessoa ouvida pela comitiva do CNDH, as pessoas de uma comunidade estariam sendo levadas para outra comunidade para aí serem executadas. Afirmou-se, ainda, que os policiais estariam matando pessoas inocentes, sem indício de confronto. Foram relatados os casos de dois ajudantes de pedreiro e de um pastor, mortos em decorrência da ação policial na Operação Escudo. Segundo a pessoa ouvida pelo CNDH, a polícia tem utilizado o seguinte método: primeiro, entram com uma equipe batendo nas portas e mandando as pessoas entrarem nas casas. Depois, com a vielas sem ninguém, trazem as vítimas, que são ali executadas. Esse foi o caso do Felipe e de um outro indivíduo que não era da comunidade. Um novato da Rota foi “batizado”. Pessoas da comunidade relataram ter ouvido um policial que seria mais experiente haver ordenado o policial mais novo atirar e executar uma das pessoas. Relataram, ainda, ter ouvido comemoração dos policiais logo depois.
O décimo primeiro relato discorreu sobre os casos na Vila Baiana. Nessa comunidade, há um conjunto de moradias bem precárias em local que as pessoas denominam como Pantanal. Foi dito que a ação policial, nessa região, começou cedo. Ouviram muitos gritos e tiros. A pessoa ouvida pelo CNDH soube, então, que a vítima se tratava de uma pessoa em situação de rua que foi executada lá. Os policiais usavam capuz. Poucos usavam farda com identificação do nome. Essa pessoa disse que a viatura da polícia entra em alta velocidade na comunidade. Na sequência, uma equipe de policiais percorre as ruas dizendo “ninguém sai”. As pessoas entram em suas casas. Foi, nesse momento, que ela escutou os tiros.
O CNDH concluiu que os “relatos colhidos indicam graves excessos no uso da força e execuções sumárias com disparo de armas de fogo.” O relatório menciona que o Protocola de Minnesota, da ONU, deve ser seguido para orientar investigações sobre mortes suspeitas, garantir a responsabilidade por violações do direito à vida e trazer verdade, justiça e reparação para as famílias das vítimas.
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