Imprensa e democracia

Por Homero Costa
O dia 7 de junho celebra o Dia Nacional da Liberdade de Imprensa. Esta liberdade se justifica na medida em que permita a circulação, e pluralidade de idéias na sociedade. Este princípio está contido no artigo 220 da Constituição de 1988: “A manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. E no parágrafo 5º. diz “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objetivo de monopólio ou oligopólio”.
Qual é a situação do Brasil em relação a esses dois dispositivos da Constituição?
No primeiro caso, considerando os últimos quatro anos (governo de Jair Bolsonaro – 2019-2022) houve um grande retrocesso. O relatório da ONG Repórteres Sem Fronteiras de 2022 afirma que o então presidente da República insultava regulamente os jornalistas e a imprensa, “mobilizando exércitos de apoiadores nas redes sociais, como parte de uma estratégia afinada de ataques coordenados que visavam desacreditar a imprensa, rotulada como inimiga do Estado”.
Publicado anualmente desde 2002 pela Repórteres sem Fronteiras (RSF), o Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa “é uma ferramenta de advocacy baseada nos princípios da emulação entre os Estados (…) e se tornou uma referência, citada por meios de comunicação do mundo inteiro e utilizado por diplomatas e organizações internacionais, tais quais as Nações Unidas e o Banco Mundial”.
O objetivo do Ranking é avaliar a situação da liberdade de informação em 180 países “baseada na apreciação do pluralismo, da independência dos meios de comunicação, da qualidade do quadro legislativo e da segurança dos jornalistas”.
O grau de liberdade é determinado levando em conta às respostas obtidas através de um questionário elaborado pela RSF, preenchido por especialistas da área, composto por 87 perguntas, tendo como temáticas o pluralismo, a independência dos meios de comunicação, o ambiente midiático e a autocensura, o quadro legislativo que rege o setor, a transparência e a qualidade da infraestrutura que sustenta a produção de informação.
No dia 3 de maio de 2023 (Dia Mundial da Liberdade de Imprensa) foi publicado mais um  Ranking com dados relativos a 2022. O levantamento indicou que a situação é “muito grave” em 31 países, “difícil” em 42 e “problemática” em 55, sendo “boa” ou “relativamente boa” em 52 países. Em outras palavras, como diz o relatório “as condições para o exercício do jornalismo são ruins em sete de cada 10 países e satisfatórias em apenas três de cada 10 países”.
Em 2022, o Brasil ocupava a posição 110 dos 180 países e segundo o relatório era “cada vez mais visíveis e virulentos, os ataques públicos enfraquecem a profissão e incentivam ações legais abusivas, campanhas de difamação e intimidação, especialmente contra mulheres, e assédio online a jornalistas críticos.”
Houve portanto, um retrocesso nos quatro anos do governo Bolsonaro em relação à imprensa (e a democracia).
No segundo caso, o monopólio ou oligopólio, antecede o governo Bolsonaro, continuou com ele e ainda continua sendo um grande desafio para os governos democráticos. O que e como fazer para a democratização dos meios de comunicação? E em especial em relação aos problemas causados pela desinformação, fake news e seus efeitos (corrosivos) sobre a liberdade e a democracia?
Embora esses aspectos (relevantes) ainda não tenham sido resolvidos – e não é de fácil solução – em cinco meses do governo Lula já representou mais para o jornalismo a liberdade e a democracia do que os quatro anos do governo Bolsonaro.
Em relação ao governo Bolsonaro, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) faz um monitoramento de ataques a jornalistas no país, coletando, analisando e apresentando relatórios com informações relacionadas à liberdade de expressão e de imprensa no Brasil desde 2013. Em 2019, passou a trabalhar com a rede Voces del Sur que reúne 16 países da América Latina e do Caribe.
A série histórica registrada pela Abraji se inicia em 2019 com 130 casos e foi crescendo nos anos posteriores: 367 em 2020, 453 em 2021 (quando foi publicado o primeiro relatório) e 557 em 2022 (quando foi publicado o segundo relatório). Isso significa que de 2019 a 2022, houve um aumento de 328%, as agressões a veículos de comunicação e jornalistas, mais do que quadruplicou, passando de 130 para 557. De 2021 para 2022 houve um aumento de 23%, com 31,6% dos casos diretamente relacionados à cobertura eleitoral.
No segundo relatório, em 2022, constatou-se o crescimento de ataques as mulheres jornalistas (145), um aumento de 13% em relação a 2021. Em 56,7% dos casos, um ou mais agressores eram agentes estatais, como parlamentares, governantes e funcionários públicos, sendo o então presidente da República, Jair Bolsonaro, quem mais atacou a imprensa. Ele e seus três filhos com mandatos parlamentares (vereador, deputado federal e senador respectivamente) foram responsáveis por 41,6% dos ataques em 2022.
Com a derrota eleitoral em outubro de 2022, os ataques do então presidente da República e seus defensores e apoiadores, continuaram, com uma sucessão de atos antidemocráticos (que culminam no dia 8 de janeiro de 2023 ) por não aceitarem o resultado da eleição, um comportamento golpista (com a defesa explícita de ditadura) e antidemocrático.
Novembro de 2022, segundo o relatório, foi o segundo mês mais violento do ano,
com 77 casos, que se deveu, sobretudo, às manifestações de apoiadores de Jair Bolsonaro, e os atos, como diz o relatório “foram marcados pela violência contra a democracia na tentativa de deslegitimar o resultado das eleições e também contra a própria imprensa”.
Além da intimidação dos governos, ameaças físicas, há também outras formas de agressões e violências, como as virtuais. Segundo o relatório de 2022 de 353 casos
63,4% se originaram ou repercutiram na internet.
O Relatório Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), informa que 376 casos foram registrados em 2022 – um crescimento de 133,33% nas ocorrências de ameaça, hostilização e intimidação em relação a 2021, “o que demonstra que estes profissionais ainda convivem com uma rotina de naturalização da violência”.
Segundo Cristina Zahar e Letícia Klein, respectivamente secretária executiva e assistente jurídica da Abraji no artigo Imprensa livre é pilar para proteger a democracia, publicado no Nexo Jornal no dia 6 de junho de 2023, as eleições de outubro de 2022 contribuíram para piorar o cenário da liberdade de imprensa no país.
Com tantos ataques, agressões e violências contra jornalistas e meios de comunicação, qual é a percepção pública que se tem em relação ao seu trabalho? As autoras, ao discutirem esse tema, citam dados do Barômetro da Confiança de 2022. Trata-se do levantamento realizado pela agência Edelman que fez 36 mil entrevistas em 28 países, entre 1º e 24 de novembro de 2021 (cerca de 1.150 entrevistados em cada país) e em relação ao Brasil, afirma que 47% dos entrevistados diziam confiar na mídia e que para 43% é uma força desagregadora, só perdendo para o governo (59%).
E em relação à desinformação e fake news, revelou que a preocupação com notícias falsas cresceu no mundo todo, com 76% dos entrevistados afirmando ser a disseminação de desinformação um motivo para se preocupar, que depõe contra a democracia e a liberdade (no Brasil o índice foi de 81%).
Esse me parece é mais um grande desafio, para a mídia, de ampliar a sua confiança e para o governo, de combater de forma eficaz as agressões e violências contra jornalistas e os meios de comunicação em geral e também em relação às fake news que inundam as redes sociais e as plataformas digitais.
Nesse sentido, mais uma iniciativa louvável do governo Lula foi o de criar o Observatório Nacional da Violência Contra Jornalistas e Comunicadores Sociais, entidade vinculada ao Ministério da Justiça, com o objetivo de não apenas monitorar as agressões e violências, como dar seguimento às investigações e buscar a punição dos responsáveis. Sua criação foi oficializada com a publicação no Diário Oficial no dia 17 de fevereiro de 2023 e está sob a coordenação-geral da Secretaria Nacional de Justiça (Senajus). É composto por pesquisadores, juristas e representantes de entidades de defesa da liberdade de imprensa e de expressão.
Em relação à sua composição, são 33 membros, sendo 22 titulares e 11 suplentes, sendo três lugares são destinados ao governo federal, dois ao Ministério Público, dois a pesquisadores de universidades federais e 26 a representantes de federações, associações e institutos.
O secretário nacional de Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Augusto de Arruda Botelho, afirmou que o Observatório vai monitorar todos os casos de ataque a categorias de jornalistas e veículos em geral, por meio do acionamento das autoridades competentes, acompanhamento das investigações e participação ativa no intuito de auxiliar na identificação dos autores de crimes.
Segundo ele os atos ocorridos em oito de janeiro de 2023 no Distrito Federal, incluindo as agressões contra jornalistas, vêm numa escala crescente de ataques à imprensa e à liberdade de expressão nos quatro últimos anos.
Há, portanto, um esforço por parte do governo e entidades representativas, como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), com trabalhos de monitoramento e denúncias contra agressões e violências contra jornalistas, que se complementam, em defesa de uma imprensa livre, plural e independente.
O relatório de 2022 da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) não apenas constata e analisa os dados como também faz um conjunto de propostas aos jornalistas (como “denunciar as agressões sofridas dentro e fora das redes sociais, levando ao conhecimento das autoridades e das organizações para as quais trabalham, combatendo a normalização e estigmatização desse tipo de violência”), aos meios de comunicação (que “zelem pela integridade dos jornalistas e combatam a autocensura no cotidiano das redações”) e ao poder público, nesse caso, entre outras, para que se avance em “propostas legislativas que protejam o trabalho de profissionais da imprensa, em atenção aos parâmetros internacionais de proteção dos direitos humanos”. (relatório disponível em https://abraji.org.br/publicacoes/monitoramento-de-ataques-a-jornalistas-no-brasil-relatorio-2022).
Liberdade e democracia são inseparáveis e a imprensa livre e plural tem um papel fundamental nesse sentido.

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