‘Uma cena de guerra’, diz enfermeira do Hospital da Restauração sobre plantão durante a tragédia das chuvas de 2022

Profissionais de saúde relembraram dificuldades enfrentadas há um ano, no plantão durante os desastres provocados por deslizamentos, que deixaram 133 mortos. Reportagem faz parte da série ‘Reféns do Morro’, do NE1. Enfermeiros do HR contam as dificuldades que passaram durante o desastre das chuvas em PE
“Eu fecho os olhos e vejo aquela cena, como se fosse uma cena de guerra. No hospital, quando a gente olhava pela janela, ficávamos pensando ‘como essas ambulâncias vão chegar’?”, lembra a técnica em enfermagem do Hospital da Restauração (HR) Vanessa Santos, contando o que viveu há um ano, quando fortes chuvas e deslizamentos causaram a morte de 133 pessoas no Grande Recife.
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Os enfermeiros Rodrigo Patriota Pires e Alexandro Luís também estavam naquele plantão e trabalharam por mais de 24 horas seguidas (veja vídeo acima).
Na terceira reportagem da série do NE1 “Reféns do Morro”, que revisita, após um ano, as famílias afetadas pelas chuvas que provocou a maior tragédia de Pernambuco do século, profissionais do HR, na área central do Recife, relembram o plantão do dia com mais ocorrências de chamados para socorro (veja o vídeo completo que foi ao ar no telejornal no final desta reportagem).
A maior parte das vítimas dos deslizamentos foram levadas para o HR. A chefe de plantão do hospital, Claudia Oliveira, lembra que uma força-tarefa foi montada para conseguir atender todos os que chegavam, sem que descuidassem de tantos outros que já estavam internados.
“Foi um plantão traumatizante, um caos. A gente já estava num plantão noturno e tivemos que dobrar. Não estávamos preparados psicologicamente, então foi difícil”, lembra Claudia.
Os pacientes que chegavam eram levados para a sala vermelha da Unidade de Trauma do HR, para onde vão os casos mais graves. Naquele sábado deveria haver 12 enfermeiros de plantão, mas apenas seis conseguiram chegar no hospital.
“A Agamenon [Magalhães, avenida na área central do Recife, onde fica o HR] estava totalmente inundada. Me perguntei ‘meu Deus como que as ambulâncias vão passar para trazer as pessoas para cá?’, era um rio”, disse Claudia, que define o dia como o mais difícil da vida dela.
Hospital da Restauração, no Derby, área central do Recife
Reprodução/TV Globo
Para eles, um dos atendimentos em especial serviu de reflexão para quem é, ao mesmo tempo, profissional da saúde e pai.
Uma das vítimas que chegou no hospital era um garoto de 13 anos, que tinha sido levado na ambulância do (Samu) por um socorrista que era o seu tio. O menino tinha sido soterrado e chegou ao hospital sem vida.
“Passa um filme na cabeça da gente. Aquele garoto tinha a mesma idade do meu filho. Você fica pensando, manda mensagem para família perguntando se está tudo bem, e sente a dor daquela família que perdeu um ente querido”, disse Alexandro.
Naquele 28 de maio de 2022, 16 pessoas foram levadas para o HR, todas vítimas de deslizamentos de vários pontos do Grande Recife. 15 delas se recuperaram e tiveram alta. Para Rodrigo, ficou a sensação de dever cumprido, e, também, uma revolta.
“A gente tem filho nessa idade e se comove muito, se coloca no lugar, chora. Mas também tornamos isso em um combustível para melhorar a qualidade de atendimento. A gente trata e tudo, mas não aceita uma criança de 13 anos sem direito a continuar a vida”, conta Rodrigo.
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Uma só família perdeu 11 pessoas
Corpos de mãe e filha foram encontrados abraçados
Família soterrada
Leônidas guarda fotos e vídeos da família como lembrança
Reprodução/TV Globo
Morador do bairro da Cohab, na Zona Sul do Recife, o autônomo Leônidas Bezerra da Silva perdeu a esposa, a filha e as duas netas em um deslizamento de barreira “Eram minhas felicidades essas meninas, a bagunça que eu mais adorava. Uma parte de mim foi embora”, lembra.
A esposa dele, Marize, trabalhava como técnica em enfermagem no Hospital da Restauração (HR). Mas, naquele dia, não pôde socorrer os feridos. Foi uma das vítimas fatais da tragédia.
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