Copom: entenda por que o BC não acelerou o corte de juros e quais os recados para o futuro da Selic

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Apesar de a inflação de 2023 ter fechado o ano dentro da meta e de o governo ter reiterado o compromisso com a meta de zerar do déficit neste ano, comitê voltou a reforçar que novos cortes devem seguir no mesmo ritmo de 0,5 ponto percentual nas próximas reuniões. Banco Central cortou pela taxa básica de juros pela quinta vez consecutiva.
Raphael Ribeiro/BCB
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) anunciou nesta quarta-feira (31) mais um corte na taxa básica de juros. A Selic recuou de 11,75% para 11,25% ao ano, na quinta queda consecutiva.
A redução de 0,5 ponto percentual não foi novidade para os economistas do mercado financeiro. Desde agosto do ano passado, quando iniciou o ciclo de cortes de juros, o BC tem sido cauteloso e reduzido a Selic sem acelerar o ritmo, com cortes constantes.
As atenções estavam, mais uma vez, no tom do comunicado. O BC também tem sinalizado constantemente a importância de uma inflação mais controlada e de menos incertezas no quadro fiscal para a redução das taxas básicas do país.
Com o governo sinalizando estar empenhado em buscar alternativas para aumentar a arrecadação e com uma inflação que conseguiu encerrar o ano passado dentro da meta pela primeira vez desde 2020, era possível esperar que o ritmo de redução dos juros aumentasse. Mas não.
Para o BC, a decisão desta quarta-feira considerou que o processo de desinflação continuou a evoluir no país, que a atividade econômica brasileira segue consistente com o cenário de desaceleração antecipado pelo Copom e que o ambiente externo continua a “exigir cautela por parte dos países emergentes”.
Assim, o Copom voltou a reforçar que novos cortes da Selic devem vir na mesma magnitude nas próximas reuniões, destacando que “esse é o ritmo apropriado para manter a política monetária contracionista necessária para o processo desinflacionário.”
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Por que o BC não deve acelerar o corte de juros?
De acordo com especialistas ouvidos pelo g1, o quadro macroeconômico brasileiro dá sinais de melhora, mas “situações de risco” ainda impedem que o Copom acelere o ritmo de cortes da Selic. São elas:
a necessidade de ajustes no campo fiscal e de previsibilidade no longo prazo;
os riscos inflacionários no curto prazo;
as decisões do Fed e seus impactos no câmbio;
o preço das commodities.
➡ Ajustes no campo fiscal
Segundo o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, falta um plano para o corte de gastos apesar de o governo federal ter buscado formas de aumentar a arrecadação, mirando o déficit zero — ou seja, que o governo consiga gastar o mesmo montante que arrecadar ao longo do ano.
“O governo tem trabalhado pelo aumento das receitas, mas ainda não apresentou nenhum plano para contenção de despesas. Então, esse ainda é um grande risco, mesmo que o cenário tenha melhorado diante da expectativa de um déficit menor para este ano”, diz Agostini.
O economista explica que não há uma medida estrutural de médio e longo prazo para controle dos gastos públicos, mesmo que o governo consiga cumprir a meta de déficit zero em 2024. Esse cenário, afirma Agostini, acaba afetando as decisões sobre a política monetária, que são pensadas para períodos mais distantes.
“A política fiscal do país ainda não tem uma previsibilidade boa para acima de dois, cinco ou 10 anos. Então, esse é mais um risco considerado pelo Banco Central”, completa.
➡ Riscos inflacionários de curto prazo
Apesar de fechar 2023 dentro da meta, a inflação ainda passa por uma dinâmica que preocupa o BC. No curto prazo, por exemplo, os especialistas sinalizam que há riscos de aumento de preços no setor de serviços, que costumam ser reajustados ao menos pela inflação dos últimos 12 meses — a chamada inércia inflacionária.
“Essa inércia naturalmente vai se reduzindo na hora de reajustar os preços dos serviços. No entanto, ainda é uma preocupação, porque a base da inflação ainda está em um nível de reajuste alto. Essa inércia ainda se mantém um pouco”, diz Agostini.
Para Helena Veronese, economista-chefe da B.Side Investimentos, a melhora desses indicadores seria um dos fatores necessários para que o BC pudesse considerar um aumento no ritmo de cortes.
“Não que a composição inflacionária esteja ruim, mas está condizente com o ritmo atual de aperto monetário”, afirma.
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➡ Decisões do Fed e os impactos no câmbio
Outro ponto de atenção para o Banco Central brasileiro é o setor externo. Isso porque ainda há uma preocupação muito forte com o mercado de trabalho nos Estados Unidos, que segue bastante aquecido.
Em síntese, um mercado de trabalho mais aquecido significa salários mais altos e mais dinheiro em circulação, o que tende a pressionar a inflação — e, consequentemente, exigir uma política monetária mais restritiva por parte do Federal Reserve (Fed, o BC norte-americano).
Nesta quarta-feira (31), o Fed decidiu mais uma vez manter as taxas básicas de juros do país no intervalo de 5,25% e 5,50% ao ano, no maior patamar desde 2001. A decisão já era esperada pelo mercado e as atenções, mais uma vez, se voltaram para o comunicado divulgado pela instituição.
De acordo com o estrategista-chefe da Guide Investimentos, Alex Lima, a principal mensagem do BC norte-americano foi a sinalização de que o Fomc (Comitê Federal de Mercado Aberto) não deve começar a cortar os juros dos EUA até que a inflação do país esteja no nível de 2%, que a meta da instituição.
“É como se fosse um código dizendo que março está fora de cogitação, porque dificilmente teremos uma inflação de 2% até lá. Ainda estamos vivendo um momento de pressão inflacionária, principalmente por conta da ruptura de cadeias globais, tanto no Mar Vermelho quanto no Panamá”, explica Lima.
Em meados de janeiro, a ferramenta FedWatch, do CME Group, indicava que a maioria dos investidores (61%) esperava um corte de juros em março por parte do Fed. Após a decisão e o comunicado da instituição nesta quarta, no entanto, a maior parte das apostas de corte (quase 90%) passaram para maio.
Juros mais elevados nos EUA aumentam a rentabilidade das Treasuries americanas (títulos públicos norte-americanos), refletindo nos mercados de ações e no dólar. Com os títulos da maior economia do mundo com maior rentabilidade, a tendência é uma maior migração de recursos para o país.
“Isso gera uma mudança de fluxo de capitais, que pode se refletir, por exemplo, na questão do câmbio”, acrescenta Agostini, em referência à alta do dólar frente ao real.
➡ Preços das commodities
Segundo os especialistas, esses reflexos do câmbio são percebidos principalmente nos preços das commodities — mais um ponto de risco observado pelo Banco Central. Com o petróleo mais caro, por exemplo, há elevação do preço da gasolina e do diesel, e uma consequente elevação do custo do frete, gerando inflação sobre alimentos e outros produtos.
“Já há especulações no mercado de que o petróleo pode retomar uma alta para algo em torno de US$ 90 e US$ 100. Se isso acontecer, sabemos que o impacto na inflação é muito forte”, diz Agostini, da Austin Ratings.
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Quais os recados do Copom para o futuro da Selic?
Além de manter a sinalização de que novos cortes de 0,5 ponto percentual devem ser o padrão para as próximas reuniões, o Copom também indicou no comunicado que deve continuar atento ao ambiente externo, e ao quadro fiscal e inflacionário no Brasil.
O colegiado informou que seus cenários de análise para a inflação ainda apresentam fatores de risco tanto para um aumento quanto para uma queda de preços.
➡ Entre os riscos de alta, o comunicado destacou:
uma maior persistência das pressões inflacionárias globais;
uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado.
➡ Já entre os fatores que podem levar a uma redução de preços, estão:
uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada;
os impactos do aperto monetário sincronizado sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado.
Segundo Veronese, da B.Side Investimentos, a sinalização do Copom vale para as próximas duas reuniões do colegiado, que acontecerão em março e maio — período em que a economia também deve sentir ainda mais os impactos da política monetária mais restritiva.
“Vemos o início de um processo de desaceleração. Mas é um movimento lento porque, no momento de alta juros, também tivemos políticas fiscais de estímulo ao consumo e crescimento, muito por conta das eleições”, afirma a economista.
Veronese explica que as medidas trazidas pelo governo entre 2022 e 2023 ainda tinham impactos na atividade até poucos meses atrás, e que o impacto de juros altos ainda se reflete na economia.
“Existe um delay de repasse da política monetária para a atividade que tende a ser de seis a nove meses. Então acredito que só daqui a três ou quatro meses a gente comece a ver esses cortes de juros fazendo efeito na economia real”, acrescenta.
O Copom também reafirmou no comunicado “a importância da execução das metas fiscais”, destacando que o atual cenário ainda “demanda serenidade e moderação na condução da política monetária”.
O BC ainda entendo que a economia passa por um estágio “mais lento” do processo desinflacionário, por uma “reancoragem apenas parcial” das expectativas de inflação e por um quadro global ainda “desafiador”.
Por fim, o Copom ainda destacou que a magnitude total do ciclo de flexibilização de juros ao longo do tempo dependerá da evolução da dinâmica inflacionária, das expectativas e projeções de inflação, do hiato do produto (indicador que mede as oscilações cíclicas da economia) e do balanço de riscos.
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