MP da Mata Atlântica causa nova tensão entre Câmara e Senado

As mudanças feitas pelo Senado na MP (medida provisória) 1.150, sobre a Mata Atlântica, na última 3ª feira (16.mai.2023) causaram mal-estar em parte dos deputados da Câmara, principalmente na ala ligada ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).

Segundo Jaques Wagner (PT-BA), líder do Governo no Senado, o “mal-estar” se deu porque deputados viram a impugnação de trechos do texto como uma forma de a MP não voltar à Câmara –o que não acontecerá, no entanto, porque os senadores aprovaram emendas próprias.

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O texto foi enviado de volta à Câmara em 17 de maio. O Poder360 apurou que a MP deve ser analisada pelos deputados na próxima semana. O prazo, no entanto, é exíguo. A MP da Mata Atlântica perde sua validade em 1º de junho, uma 5ª feira.

Wagner disse que Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), conversaram na noite de 17 de maio: “Creio que [o mal-estar] está superado”. O senador Ciro Nogueira (PP-PI) também confirmou o desconforto entre as Casas. Afirmou que os 2, Lira e Pacheco, “estão tentando se entender”.

Publicamente, Lira negou qualquer “crise” entre as Casas.

A justificativa para impugnar os trechos foi a impertinência temática. Na avaliação dos senadores, havia “jabutis”, jargão da política de Brasília e se refere a trechos introduzidos em projetos de lei que seriam estranhos ao espírito original do que se pretendia aprovar –entenda mais abaixo o que foi impugnado.

Com a impugnação, a Câmara não poderia retomar os trechos.

Entretanto, de acordo com técnicos consultados pelo Poder360, há alternativas para que os trechos impugnados pelos senadores sejam retomados. Os deputados poderiam ignorar a impugnação e tornar as emendas dos senadores inválidas –a tensão entre as Casas se aprofundaria. Há um precedente de 2021, quando deputados fizeram isso com a MP 1.040/2021 (modernização do ambiente de negócios no país) e enviaram o texto para sanção de Jair Bolsonaro (PL), que sancionou com vetos.

COMO ERA O TEXTO QUE SAIU DA CÂMARA

os trechos impugnados pelo Senado falavam de licenciamento ambiental na Mata Atlântica e regras para obras de infraestrutura;
indicavam a possibilidade de supressão de partes da mata, além de definir o que deveria ser considerado, a Lei da Mata Atlântica, de 2006, ou a Lei Complementar 140, de 2011;
quando foi editada por Bolsonaro, em dezembro de 2022, a MP determinava prazo de 180 dias para imóveis rurais aderirem ao PRA (Programa de Regularização Ambiental). Esse é um dispositivo do Código Florestal que estabelece compromisso com proprietários de terras rurais para compensar a vegetação nativa e evitar multas. Os deputados aprovaram uma emenda ao PL que ampliou o tempo para adesão em 1 ano;
os deputados passaram dos Estados para os municípios a prerrogativa de aprovar desmatamento em áreas com vegetação em estágios de regeneração. O objetivo: acelerar a aprovação de licenças para investimentos e obras de infraestrutura;
o texto também retirou a exigência de falta de “alternativa técnica e locacional” para a supressão da Mata Atlântica em casos de empreendimentos. Excluiu ainda a necessidade de ações compensatórias para a supressão de vegetação nativa na construção de linhas de transmissão, sistemas de transporte de gás natural e de abastecimento público de água.

SE EMENDAS VOLTAREM, LULA VETA

Se a Câmara decidir por ignorar a impugnação feita pelos senadores, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já se comprometeu a vetar os trechos sobre supressão da Mata Atlântica.

Essa é a tendência [Lula vetar, se a Câmara retomar trechos sobre supressão da Mata Atlântica], na medida que a proposta do governo foi de retirada dessa matéria por entender que uma mudança na lei da Mata Atlântica devia ser feita por instrumento próprio, disse Jaques Wagner.

O Palácio do Planalto monitora a tensão.

Nem o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) nem líderes do Governo no Congresso classificam o episódio como um risco para as pautas prioritárias do governo.

Jaques Wagner, líder do Governo no Senado – Não vejo nenhuma hipótese dessa coisa interferir na votação do marco fiscal, até porque, repare, 1º eu acho que já está superado isso. Depois, cada Casa tem o direito de exercer suas funções. Então, esse é o trâmite normal, não tem por que se insurgir contra algo que está previsto constitucionalmente”, 
Randolfe Rodrigues, líder do Governo no Congresso – A medida da parte do Senado da impugnação é mais do que legítima, era exacerbado aos termos da Medida Provisória, era matéria estranha. O que o presidente do Congresso Nacional fez como casa revisora foi retirar a matéria estranha. Tenho convicção e esperança que a Câmara assim compreenderá”.

CRÍTICAS A DEPUTADOS

A sessão em que os senadores impugnaram os trechos da MP inclusos pelo plenário da Câmara teve diversas críticas aos deputados.

Otto Alencar (PSD-BA) – Coragem, viu, da Câmara dos Deputados aprovar isso, numa medida provisória no final do ano, aprovada ainda este ano”;
Omar Aziz (PSD-AM) – disse que o texto não incluiria as emendas aprovadas na Câmara se as comissões mistas para MPs estivessem funcionando: “[…] está mais do que provado que a Constituição é muito sábia quando criou uma comissão para analisar as medidas provisórias, porque, se isso tivesse sido analisado numa comissão, com um presidente, com um relator e com vários membros, tenho certeza de que nós não estaríamos debatendo isso”;
Jayme Campos (União Brasil-MT) – “Falar em entrar na Mata Atlântica para fazer desmatamento para gasoduto, para linha de transmissão para fazer desmatamento, para gasoduto, para linha de transmissão e, sei lá, esgotamento sanitário, etc. Isso é um absurdo! Isso se chama lesa-pátria. […] Tem que ser cínico, cretino, esse cidadão tem que estar fora do cenário da política deste país, porque não respeita ninguém, lamentavelmente”.

As comissões mistas –com deputados e senadores– para analisar MPs voltaram em 23 de março.

O rito foi alvo de um impasse institucional entre Pacheco e Lira. À época, o presidente da Câmara fez um discurso duríssimo e acusou o Senado de “truculência” por desejar retornar imediatamente o rito de tramitação de medidas provisórias, com a criação de comissões mistas paritárias, com 12 deputados e 12 senadores.

A Constituição determina que MPs, quando chegam ao Congresso, sejam analisadas por uma comissão mista própria. Durante a pandemia, as medidas provisórias começaram a tramitar diretamente no plenário da Câmara. Isso tirou poder dos senadores, que defendiam a volta do sistema anterior.

A MP que trata sobre a Mata Atlântica tramita no modelo antigo: foi analisada pelos plenários da Câmara e do Senado.

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