CNJ julga nesta terça juiz Marcos Scalercio, acusado de assédio sexual contra mulheres em SP

Conselho Nacional de Justiça em Brasília deve votar Processo Administrativo Disciplinar contra magistrado. Juiz nega crimes, mas está afastado temporariamente desde que g1 revelou caso em 2022. Ele pode ser punido ou absolvido das acusações. Marcos Scalercio também é professor do cursinho Damásio.
Reprodução/Instagram
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deve julgar nesta terça-feira (23) o juiz Marcos Scalercio, acusado de assédio sexual e importunação sexual contra ao menos três mulheres em São Paulo. Os crimes teriam sido cometidos em 2014, 2018 e 2020. Os casos foram revelados em agosto de 2022 pelo g1 após as vítimas procurarem o Me Too Brasil e o Projeto Justiceiras.
O magistrado, que é juiz substituto da 2ª Região do Tribunal do Trabalho (TRT-2), sempre negou as acusações por meio de sua defesa. O magistrado está afastado de suas funções desde setembro do ano passado pelo CNJ. O órgão ainda abriu um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para apurar as denúncias feitas pelas mulheres.
O julgamento de Scalercio neste PAD está no item 7 da pauta do Conselho Nacional de Justiça, segundo informou a assessoria de imprensa da entidade, que tem sede em Brasília. A sessão começará às 9h30 e terá transmissão ao vivo pelo site do conselho.
Denúncias são de 2014, 2018 e 2020
Juiz Marcos Scalercio será interrogado no Tribunal Regional do Trabalho
Nesse PAD que responde no conselho, Scalercio foi acusado por uma então aluna do cursinho Damásio Educacional, voltado a estudantes de direito, onde ele dava aulas como professor; uma funcionária do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região e uma advogada que o conheceu pelas redes sociais.
A ex-estudante do Damásio contou que foi atacada pelo então professor quando o encontrou numa cafeteria em 2014. A funcionária do TRT-2 falou que foi assediada dentro do gabinete do magistrado no Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, em 2018. E a advogada disse que o juiz a importunou pelas redes sociais dele na internet, em 2020.
Todas as três mulheres acima já deram seus depoimentos ao CNJ. Elas foram ouvidas por videoconferência diretamente do TRT-2, que tem sua sede em São Paulo. Contaram por mais de 4 horas que foram abordadas sexualmente por Scalercio sem o consentimento delas.
Além disso, 15 testemunhas foram indicadas para serem ouvidas, sendo oito arroladas pelo Ministério Público Federal (MPF) e mais sete pela defesa do juiz.
Em dezembro de 2022, Scalercio foi interrogado presencialmente por mais de 4 horas, também no TRT-2, na capital paulista. Naquela ocasião, o magistrado voltou a negar as acusações de que cometeu crimes sexuais contra as mulheres.
O que pode ocorrer no PAD
Após denúncias, outras mulheres acusam juiz e professor de assédio sexual
A juíza Salise Monteiro Sanchotene, sorteada para ser a relatora do caso pelo Conselho Nacional de Justiça, não participou do interrogatório de Scalercio, mas ficará responsável pelo relatório final do processo administrativo. Ela irá submeter o seu voto ao plenário do conselho, para julgamento público, com sustentação oral e votação dos demais conselheiros.
O plenário poderá absolver o juiz, e assim decidir arquivar o caso, ou poderá considerá-lo culpado das acusações. Se considerado culpado, a juíza pode determinar a punição, como: aposentadoria compulsória, em disponibilidade (não trabalha e fica afastado, mas é limitado a um período de tempo), remoção para outra unidade, censura ou advertência.
Lembrando que a decisão sobre o resultado final será sempre votada com todos conselheiros. Segundo a assessoria de imprensa do CNJ, o órgão é composto por representantes do Poder Judiciário (um colegiado da Justiça estadual, federal e tribunais superiores), do Ministério Público (MP), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e membros do Senado e da Câmara.
A atual presidente do conselho é a ministra Rosa Weber, integrante do Superior Tribunal Federal (STF). Ela também pode votar no PAD.
TRT
TRT de São Paulo decidiu invertigar o juiz Marcos Scalercio por novas denpuncias de assédio sexual e importunação sexual
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região abriu em fevereiro de 2023 um outro PAD, este no âmbito do TRT-2 em São Paulo, para investigar o juiz e professor Scalercio por novas denúncias de assédio e importunação sexual contra mulheres.
Além disso, ele responde a uma Reclamação Disciplinar (RD) no mesmo órgão também por acusações de crimes sexuais contra vítimas do sexo feminino. Até a última atualização desta reportagem, o TRT-2 não havia informado os resultados do PAD e do RD contra Scalercio.
As apurações são feitas pela Corregedoria do Tribunal. Entre as eventuais punições estão: aposentadoria, advertência e suspensão. Existe a possibilidade ainda que o magistrado seja considerado inocente, e o caso fique arquivado.
Pelo menos 22 mulheres, entre estudantes de direito e advogadas, decidiram denunciar o magistrado e docente após o g1 revelar, em agosto do ano passado, que outras vítimas o acusavam de violência sexual. Três delas levaram o caso ao Conselho Nacional de Justiça.
Sindicato e Me Too
Juiz do TRT-SP é interrogado pelo CNJ sobre caso de assédio
O Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no estado de São Paulo (Sintrajud-SP) acompanha o caso. “Esperamos uma apuração rigorosa. O ambiente de trabalho exige condições físicas, psíquicas e mentais para os trabalhadores, sendo inadmissível o assédio sexual denunciado. É preciso garantir condições de trabalho seguras para as trabalhadoras”, disse a advogada Eliana Lúcia Ferreira, do Sintrajud.
Antes da avaliação do tribunal, Luanda Pires, uma das diretoras do Me Too Brasil, ONG que acompanha juridicamente algumas das mulheres que denunciaram o magistrado, afirmou ao g1 que “o Me Too espera que o procedimento administrativo disciplinar seja aberto para que as denúncias sejam devidamente apuradas pelo Tribunal”.
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jOd
Os casos envolvendo o juiz e professor foram revelados em agosto de 2022 pelo g1. Mas eles chegaram inicialmente ao Me Too Brasil, movimento ligado ao Projeto Justiceiras. Os órgãos prestam assistência jurídica gratuita a vítimas de violência sexual e haviam levado as denúncias contra Scalercio ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em São Paulo.
Em 2021, o TRT-2, decidiu, no entanto, por duas vezes, arquivar as acusações da Reclamação Disciplinar contra o magistrado. A alegação foi a de que não havia provas de que Scalercio assediou ou importunou sexualmente as três mulheres.
Mas após a repercussão dos casos na imprensa, o Me Too Brasil recebeu mais relatos de mulheres que acusam Scalercio de crimes sexuais. Até setembro, o movimento totalizava 96 denúncias. Seis delas o acusaram de estupro.
3 mulheres ouvidas pelo CNJ
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Em 2022, o g1 e a TV Globo entrevistaram duas das três mulheres que acusam Scalercio de assédio e importunação sexual no Processo Administrativo Disciplinar aberto contra ele pelo Conselho Nacional de Justiça:
“Ele ficava falando de me levar livros até a minha faculdade e um dia simplesmente apareceu. Entrei no carro dele e nós fomos numa cafeteria próxima ao local, quando ele tentou me agarrar”, afirmou uma delas, que foi aluna dele no cursinho Damásio em 2014, em entrevista ao g1 e a TV Globo.
“Ele se levantou, veio perto da minha cadeira, se apoiou na minha cadeira e começou a tentar me beijar, me assustei e fui para trás com a cadeira. Mas ele forçava todo o corpo pesado nos meus braços, até que teve uma hora que ele fez menos força, e eu consegui me desvincular. Ele tentava me beijar e falava que ‘sabia que eu queria’ e, como não tinha câmeras no gabinete, eu podia ficar tranquila”, contou a servidora do TRT, também à reportagem, sobre o que ocorreu em 2018, segundo ela (veja vídeo acima).
A advogada falou ao Me Too que, em 2020, durante o início da pandemia de Covid, seguia o juiz e professor nas redes sociais dele. Ela disse que Scalercio puxou conversa e depois, sem qualquer motivo aparente, passou a perguntar sobre a vida sexual dela.
“Começou com conversas relacionadas às dúvidas, sendo solícito como professor, mas já partiu para uma conversa de cunho sexual”, disse a advogada. Como ela não deu bola, foi chamada por Scalercio de “assexuada”.
Damásio desligou professor
O Damásio Educacional é um tradicional cursinho preparatório para concursos públicos em São Paulo
Kleber Tomaz/g1
Com a repercussão do caso, mulheres que estudaram no Damásio usaram as redes sociais em agosto para dizer que, pelo menos desde 2016, já haviam procurado o cursinho e denunciado Scalercio por comportamento inadequado. Entre as queixas relatadas estavam convites do docente para sair com as estudantes e envios de mensagens inapropriadas com conotação sexual para as redes sociais delas.
O Damásio, onde Scalercio era professor de direito no cursinho preparatório para concursos públicos e para a Ordem dos Advogados do Brasil, o desligou da instituição em agosto, após as denúncias contra ele aumentarem. O cursinho sempre negou, no entanto, que soubesse de relatos de assédio sexual envolvendo ele e alunas.
Defesa do magistrado
Foto a partir de vídeo mostra plateia com alunos assistindo a aula do juiz Marcos Scalercio, professor de direito processual do trabalho do Damásio Educacional
Reprodução/Curso Damásio
Em setembro de 2022, a defesa de Scalercio foi feita virtualmente durante a sessão do CNJ que votou pela abertura de um PAD pelas denúncias de assédio.
Durante a audiência, o advogado de Scalercio, Leandro Raca, lembrou que três denúncias de assédio contra seu cliente já tinham sido arquivadas por duas vezes no TRT-2. A defesa também pediu que os conselheiros votassem pela não abertura do PAD contra o magistrado e recusassem a sugestão do relator de afastá-lo do trabalho.
“A apuração contra esses três relatos foi delegada ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região”, e “foram ouvidas em sede de apuração preliminar, 15 testemunhas”, sendo dez da acusação e cinco da defesa, de acordo com Raca. “O feito foi submetido à análise do colegiado do tribunal especializado, oportunidade na qual foi arquivado por maioria de votos.”
“Em primeiro lugar, o afastamento não é medida automática. Exige cautelaridade”, disse o advogado de Scalercio, que pediu para os conselheiros votarem pelo que estava no pedido de providências do TRT-2 e não nas reportagens sobre as denúncias que saíram na imprensa. “Nesse sentido, excelências, eu encerro requerendo o arquivamento do feito, que seja julgado improcedente. Não sendo o que caso, que não seja afastado o magistrado, tendo em vista a ausência de contemporaneidade.”
Ainda no final de agosto do ano passado, após a repercussão do caso envolvendo Scalercio, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), com sede em Brasília, instituiu a “Política de Prevenção e Combate ao Assédio Moral e ao Assédio Sexual”. A ação ocorrerá em todos os tribunais do TST e também no Conselho Superior da Justiça do Trabalho.
Sobre o Processo Administrativo Disciplinar e Reclamação Disciplinar contra Scalercio no TRT da 2ª Região em São Paulo, Raca havia informado, no início deste ano, que, “das 22 denunciantes, apenas oito aceitaram depor perante a Justiça e, dessas, apenas uma o acusa de contato pessoal. Outras sete o acusam de contato virtual, mas não apresentam mensagens”.
Segundo a defesa do juiz, o TRT aceitou apurar as denúncias de 19 mulheres. As outras três acusações foram rejeitadas, de acordo com Raca.
Em nota, a defesa de Scalercio informou ainda que “juntou ao processo provas que demonstram que as acusações feitas contra ele são inverídicas. São conversas de aplicativos de mensagens e em redes sociais que apontam que nunca houve assédio e muito menos qualquer conduta violenta por parte dele em relação às denunciantes”.
“Nessa fase de análise preliminar, o Tribunal já rejeitou três acusações e Marcos Scalercio está confiante de que as testemunhas e provas técnicas demonstrarão que todas as alegações são improcedentes”, completou.
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O Ministério Público Federal em São Paulo também analisa as três acusações de assédio sexual contra o magistrado, mas na esfera criminal. O MPF foi procurado para comentar o assunto, mas não havia retornado até a última atualização desta reportagem.
Até janeiro de 2023, o procedimento continuava em sigilo no MPF e ainda não tinha uma conclusão. No aspecto criminal, condenados por assédio sexual podem ser punidos com até dois anos de prisão.
Assédio e importunação sexual são crimes no Brasil. Podem ocorrer em um contexto em que há relação hierárquica entre o agressor e a vítima, no qual ele a constrange, geralmente no ambiente de trabalho, seja usando palavras ou cometendo ações de cunho sexual, sempre sem o consentimento da pessoa, como um beijo ou um toque forçados, por exemplo.
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