Jordânia e Síria no labirinto do narcotráfico internacional

Sucesso de ataques jordanianos contra contrabandistas de anfetaminas e armas dependerá de colaboração, não força. Para sírio Bashar Al Assad, drogas são importante fonte de renda. Rússia e Irã também entram na equação.A Força Aérea da Jordânia vem intensificando suas ofensivas aéreas às áreas da Síria relacionadas ao tráfico de drogas e armas. Segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos, que monitora a guerra a partir de Londres, houve pelo menos nove mortos nos últimos dias.

“A situação escalou a um nível alarmante para as autoridades de Amã, pois recentemente os contrabandistas passaram a traficar armas e explosivos através da fronteira [sírio-jordaniana, de 375 quilômetros de extensão], acrescendo exponencialmente a ameaça à segurança na Jordânia”, comentou à DW um especialista em Síria da ONG International Crisis Group.

Até o momento, Damasco tem se limitado a condenar as investidas do país vizinho. Citado pela agência estatal de notícias Sana, o Ministério do Exterior e Emigrados comentou que “não se pode justificar tais ataques a territórios sírios”. Apesar disso, o governo sírio estaria tentando conter a situação “no âmbito de sua cautela para não causar tensão entre os dois países”.

Combater narcotráfico: pré-condição para retorno da Síria à Liga Árabe

Durante anos, estimulantes anfetamínicos como o captagon se destinavam à Arábia Saudita e aos países do Golfo Pérsico, onde são populares entre frequentadores das baladas noturnas e operários da indústria. Além disso, essas drogas em comprimidos são menos tabu do que álcool entre os muçulmanos, e bem mais baratas.

Entretanto, a Jordânia está cada vez mais apreensiva de se transformar em um mercado consumidor do narcotráfico em vez de mero país de trânsito, explica Chrissie Steenkamp, professora associada da Brookes University de Oxford, no Reino Unido. O incremento das armas traficadas para a Jordânia também é visto de modo crítico, à luz da guerra na Faixa de Gaza e da parcela palestina da população jordaniana.

Riad tem igualmente aumentado a pressão para que Amã coíba o tráfico de drogas a partir da Síria. “Se eles fracassarem, a Arábia Saudita ameaça limitar a circulação transfronteiriça para a Jordânia, o que poderia ter consequências econômicas negativas para este país”, explica Edmund Ratka, diretor do escritório da Fundação Konrad Adenauer na Jordânia.

Oficialmente, Damasco diz ter intensificado seus esforços para combater o narcotráfico – o que foi uma pré-condição para sua readmissão na Liga Árabe. Em maio de 2023, o grupo de 22 nações saudou o presidente sírio, Bashar Al Assad, depois de ter suspendido o país por 11 anos em reação às agressões contra a própria população desde o início da guerra civil ainda em curso.

“A Jordânia foi essencial em possibilitar a volta da Síria à Liga Árabe, no entanto, as iniciativas diplomáticas para abordar o tráfico, em particular de captagon, não tiveram sucesso, realmente”, resume Steenkamp.

Captagon sustenta regime de Assad

Ratka considera contraditória a atual dupla estratégia da Jordânia – cooperação com o regime e, ao mesmo tempo, confrontação militar com as redes de traficantes –, uma vez que partes do Estado sírio estão envolvidas no sucesso do narco-Estado.

Em março de 2023, os Estados Unidos impuseram sanções a dois primos do presidente, Samer Kamal Al Assad e Wassem Badi Al Assad, por traficarem pílulas de captagon. No mês seguinte, ambos foram incluídos na lista da União Europeia de sanções contra a Síria, ao lado de dez outros indivíduos e entidades.

“O negócio com anfetaminas se transformou num modelo comercial encabeçado pelo regime, enriquecendo os círculos internos e provendo-lhes renda que contribui para sua capacidade de manter medidas de repressão contra a população civil”, declarou o Conselho Europeu na ocasião.

Devido à natureza ilegal do negócio, não há cifras oficiais sobre quantos comprimidos de anfetamínicos se produzem na Síria, porém as apreensões já dão uma ideia: segundo o relatório de 2023 do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), entre 2020 e 2021, o volume apreendido saltou de 42 para 89 toneladas.

Uma investigação da agência de notícias francesa AFP também concluiu em novembro de 2022 que, mesmo a um baixo preço médio de 5 dólares por comprimido e com apenas quatro de cada cinco carregamentos conseguindo passar, o setor do captagon fatura pelo menos 10 bilhões de dólares.

Assad teme colaborações no combate ao tráfico

Não só o envolvimento do governo, mas também a diversidade dos atores envolvidos dificulta que se coíba a produção e o tráfico de estimulantes. Após quase 13 anos de guerra, a Síria é um país fragmentado, com regiões dominadas pela oposição no nordeste e noroeste, e com a Rússia e o Irã como influenciadores políticos na capital, Damasco, e no sul.

“Especialmente se continuarem, esses ataques aéreos provavelmente reduzirão o narcotráfico no curto prazo, mas as drogas e as armas continuarão a fluir, a menos que a Jordânia chegue a um acordo com o regime sírio e seu aliado, a Rússia”, observa o analista do International Crisis Group consultado pela DW.

Contudo, desde fevereiro de 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, reduziu-se a presença russa no sul da Síria, nas proximidades da fronteira com a Jordânia, o que incrementou a influência das milícias patrocinadas pelo Irã e aumentou do contrabando. “Tudo isso abriu espaço para redes criminosas transnacionais, que estão fora do controle do Estado sírio ou da Rússia”, constata Edmund Ratka.

Portanto, o sucesso de Amã contra o contrabando de drogas e armas dependerá da colaboração com esses atores locais, conclui o pesquisador do International Crisis Group. Porém, essa alternativa é quase a pior possível para a Síria.

“A principal preocupação do regime sírio, durante a recente escalada, é a perspectiva de a Jordânia estabelecer com sucesso canais de comunicação com as comunidades locais do sul, uma área que, apesar de se encontrar sob controle do regime, tem um longo histórico oposicionista.”

E é o que aparenta estar ocorrendo, prossegue: nas últimas semanas, o movimento Rijal al-Karama – a maior facção militar da província síria de Sweida, na zona fronteiriça com a Jordânia – expressou disposição de se coordenar com o exército jordaniano para combater o tráfico entre os dois países. Por sua vez, o líder das forças oposicionistas da zona fronteiriça de Tanf, Farid al Qasim, anunciou o início de iniciativas de coordenação com as autoridades jordanianas.

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