Heroísmo e depressão: Lucas Covolan faz história por time da 6ª Divisão inglesa

Heroísmo e depressão: Lucas Covolan faz história por time da 6ª Divisão inglesaFoto: Reprodução

Poucos torneios reservam tantas histórias como a Copa da Inglaterra, a competição mais antiga do mundo do futebol. Neste sábado, 27, foi a vez do brasileiro Lucas Covolan escrever a sua, virar herói e fazer o modesto Maidstone, da 6ª Divisão, viver um verdadeiro conto de fadas. O goleiro foi o grande destaque na vitória por 2 a 1 contra o Ipswich, que classificou sua equipe às oitavas da FA Cup de forma inédita. Em conversa exclusiva à PLACAR, Lucas revelou detalhes de sua trajetória em divisões inferiores do país bretão e a luta contra a depressão para se reerguer no esporte.

“Chegou no minuto 85, mais ou menos, olhava para o relógio e parecia que estava indo para trás. Os caras colocando pressão. Começou a dar aflição para acabar logo o jogo. Foram 10 ou 20 segundos de um lapso que subiu um pouco o sangue. Eu sou o goleiro, não posso passar nervosismo aos meus companheiros. Fiz alguns exercícios de respiração e logo me acalmei. Quando veio o apito final… foi aquele alívio, comecei a chorar e tudo mais”, relata.

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Os números não escondem o feito: foram 78% de posse de bola adversária, 38 finalizações, 12 defesas do goleiro brasileiro e apenas dois chutes do próprio Maidstone – que garantiram os gols da vitória.

“A gente sempre quer dar o nosso melhor, mas a discrepância é enorme. Ainda mais com um time que está lutando para subir à Premier League. Claro que eles são mais talentosos e tinham maior chance de ganhar o jogo. A gente foi com o plano de jogar a cada 15 minutos – se manter em jogo nos primeiros 15 e depois nos próximos 15 e assim foi. Um jogo para não esquecer. Eu sabia que viria um bombardeio, muitos chutes no gol e que eu teria que estar num nível a mais para não deixar a bola entrar”, disse.

“Claro que ninguém esperava uma vitória, quebramos algumas casas de apostas aí. Foi um final feliz e até os torcedores do Ipswich aplaudiram bastante a gente”, completou Lucas.

Nas fases anteriores, a equipe que hoje atua na 6ª Divisão passou também como zebra por Barrow e Stevenage, com outras grandes atuações do arqueiro. O próximo adversário do Maidstone pela FA Cup será o vencedor de Sheffield Wednesday e Coventry City. O sorteio frustrou o brasileiro: “Sobraram quatro bolinhas, e tinha o Manchester City. Ficamos pensando: ‘vai ser uma loucura… imagine, ir lá no Etihad e perder de 25 a 0’. Era um sonho jogar contra e ficou aquela frustração. A gente fez um trabalho tão duro, tão difícil. E, pô, a gente queria um… Era só o cara ter pegado uma bolinha diferente para ter saído a gente e o City”.

De qualquer forma, a estrela do Maidstone não deve estar disponível para a partida do dia 28 de fevereiro. Isso porque o contrato de Covolan acaba nesta quarta-feira e, apesar da equipe ter o interesse na renovação, o martelo ainda não batido.

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DEPRESSÃO E TRATAMENTO

Lucas Covolan fez base no Athletico Paranaense e acabou desligado por falta de estatua à época. Mais tarde foi contratado pelo Vasco, onde dividiu vestiário com Fernando Prass, e retornou ao Furacão. Concorrente de Weverton (Palmeiras) e Santos (Fortaleza), Lucas não teve espaço e, depois de bater em alguns clubes pequenos, foi para a Europa jogar a Terceira Divisão da Espanha. Duas temporadas mais tarde rumou a Inglaterra.

No país bretão, antes de fazer história pelo Maidstone, viveu momentos de glória pelo Torquay United ao marcar um gol de cabeça nos Playoffs. Na sequência foi contratado pelo Port Vale, onde começou a se sentir em baixa.

“Naquele ano a gente fez uma ótima campanha e subimos para a Ligue 1. Só que já no começo daquela temporada mesmo eu não estava desfrutando mais de jogar futebol. Foi estranho porque eu estava em um momento bom, na liga que eu queria, com um salário muito bom. Comecei a colocar muita pressão em cima de mim, ver cada mínimo detalhe que eu fazia e os meus erros. Entrei em uma autossabotagem… exigir, exigir e exigir. Em casa as coisas não estavam bem também, de um relacionamento passado, e tudo virou uma bola de neve. Entrei em depressão, algo que nunca imaginei”.

“Eu voltava para casa depois do treino e só queria ficar na cama, só assistia um filme, alguma coisa assim. Não conversava com amigos, com a minha família no Brasil eu falava que estava tudo bem. O meu desempenho começou a cair muito. Eu comecei a ficar mais agressivo nos jogos e levar cartões vermelhos desnecessários. A cabeça não estava boa. Foi quando o clube conversou comigo, eu contei tudo para o auxiliar técnico. A Federação Inglesa ajuda com o cuidado mental e o clube me colocou em contato com eles. Comecei com sessões de terapia e tudo mais, uma vez por semana, e foi um processo lento, sabe? Eu comecei a ter lesões e tudo mais porque eu não conseguia fazer o meu trabalho”, revelou.

Na Inglaterra, as quatro primeiras divisões do futebol são tidas como profissional e administradas pela EFL (English Football League). As divisões inferiores são tidas como semiprofissional, ainda que na prática somente uma parcela de equipes da 6ª Divisão que realmente se enquadram na categoria. Atletas que atuam/atuaram nos campeonatos da EFL podem receber auxílio vitalício da PFA (Professional Footballers’ Association). Foi assim que o brasileiro conseguiu superar o quadro.

Ainda durante o tratamento, em empréstimo ao Chesterfield, Lucas sofreu uma lesão de tornozelo e precisou ficar cinco meses afastado dos gramados. O tempo de recuperação ajudou no tratamento psicológico.

“Não faço mais terapia, mas tenho técnicas que aprendi com os psicólogos e trabalho comigo mesmo. Se acontece algum gatilho e o cérebro está se autossabotando dentro do jogo, começo a utilizar essas técnicas. Eu recebi até mensagens das pessoas que me auxiliaram ontem, me parabenizando pela partida e destacando como meu jogo melhorou, estou mais focado”.

Em evidência pelas grandes atuações na FA Cup, o goleiro não tem interesse em retornar ao futebol brasileiro: “A qualidade da 5ª Divisão da Inglaterra é absurda. As pessoas não entendem isso e comparam com o Brasil, mas a infraestrutura, por exemplo, é como da Série B ou mesmo Primeira Divisão no Brasil”. E completa: “No primeiro ano que eu pisei aqui já não me via mais voltando”.

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