Eleições municipais: mulheres são minoria entre eleitos historicamente

Em ano de eleições municipais, a temática da representatividade feminina segue como uma demanda para o eleitorado, pré-candidatos e partidos. Apesar de pequena melhora nos últimos anos, dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontam que a igualdade de gênero na política ainda enfrenta diversos obstáculos no país.

Há pelo menos seis eleições, 21 municípios não elegem mulheres como vereadoras (veja abaixo o detalhamento dos locais). Ou seja, há mais de duas décadas, a preferência do eleitorado para o cargo é inteiramente masculina. A maioria das cidades lideradas apenas por homens fica em Minas Gerais, seguido por São Paulo e Bahia.

O cenário costumava ser pior. Nas eleições de 2020, 30 municípios elegeram a primeira mulher vereadora desde o ano 2000. Essa mudança, de acordo com o TSE, indica uma diminuição de 58,8% na sub-representação feminina nas câmaras locais, em comparação de 2018 para 2020.

Veja os locais que não elegem uma vereadora desde 2000:

Retrato nas prefeituras

Também na última eleição municipal, nove prefeitas foram eleitas nas 96 maiores cidades do país e apenas uma em capital. Entre elas, oito permanecem no cargo:

  1. Elisa Araújo (Solidariedade): Uberaba, MG;
  2. Marília Campos (PT): Contagem, MG;
  3. Margarida Salomão (PT): Juiz de Fora, MG;
  4. Raquel Chini (PSDB): Praia Grande, SP;
  5. Paula Mascarenhas (PSDB): Pelotas, RS;
  6. Professora Elizabeth (PSD): Ponta Grossa, PR;
  7. Suéllen Rosim (PSD): Bauru, SP;
  8. Cinthia Ribeiro (PSDB): Palmas, TO; e
  9. Raquel Lyra (PSDB): Caruaru, PE – ela deixou o cargo em 2022 para concorrer ao governo estadual, e foi eleita. Atualmente, é a primeira mulher a ocupar o cargo de governadora de Pernambuco.

Ao todo, 673 prefeitas foram eleitas em 202o, incluindo as chefes de Executivo estadual que assumiram o cargo após a morte de lideranças municipais em função da Covid-19. Considerando que o Brasil reúne 5.568 municípios, o índice representa cerca de 12%.

Os dados foram compilados pela Organização Não Governamental (ONG) Instituto Alziras, e fazem parte do Censo das Prefeitas. O estudo aponta ainda que 58% das prefeitas afirmam ter sofrido assédio ou violência política pelo fato de ser mulher. Um aumento de cinco pontos percentuais em relação às prefeitas do mandato anterior.

Problema também é estadual

A sub-representação feminina não é uma questão isolada a municípios específicos ou regiões do Brasil. O problema atinge todo o país e, a pequenos passos, as mulheres têm lutado para conquistar mais espaço. Apesar disso, nas eleições de 2022, apenas duas governadoras foram eleitas: Fátima Bezerra, no Rio Grande do Norte; e Raquel Lyra, em Pernambuco.

No pleito de dois anos atrás, entraram mais mulheres no cargo de deputada federal, em um aumento de 18,18% em comparação com 2018. Já no Senado, no entanto, houve queda da representação feminina, com a eleição de quatro senadoras, que convivem com outras 10 que já cumpriam mandatos até 2027.

Isso ocorreu apesar de mais mulheres do que homens terem se candidato, em 2022, para o Congresso Nacional, segundo levantamento do Metrópoles com dados do TSE.

Segundo a professora Beatriz Sanchez, do departamento de Ciências Políticas da Universidade de São Paulo (USP), a ausência de mulheres em cargos no Legislativo e Executivo estadual representa um problema estrutural para o desenvolvimento de políticas públicas e outras atribuições municipais, além de ser um “déficit democrático”, com impactos significativos para a população como um todo.

“As mulheres são as pessoas que vivem a cidade de forma mais cotidiana, levando seus filhos ao médico, buscando os filhos na escola, fazendo compras, etc. As mulheres são as principais usuárias do transporte público, além de andarem mais nas ruas. Por essa vivência diferenciada da cidade, elas são capazes de formular políticas públicas municipais mais sensíveis às demandas de gênero”, frisa a especialista.

Na avaliação dela, os dados escancaram a existência de muitas barreiras, entre elas, o machismo institucional em partidos políticos, a falta de financiamento para candidaturas femininas, a divisão sexual do trabalho e a violência política de gênero.

Michelle Ferreti, diretora do Instituto Alziras, fala das “barreiras estruturais” a serem resolvidas: “O movimento de mulheres tem se organizado de forma importante, inclusive na diversidade. Há um crescimento importante que se fortaleceu com a criação de ações afirmativas, porém as mulheres ainda enfrentam desigualdades na corrida eleitoral, levando em conta que elas não competem em condições iguais”.

A diretora cita uma pesquisa feita pelo instituto, na qual se descobriu que mulheres e pessoas negras “têm propagandas mais concentradas nas horas de menor audiência” da rádio e da televisão, por exemplo.

Para a socióloga e doutoranda da Universidade de Brasília (UnB) Camila Galetti, os números compilados refletem “o quanto a misoginia e o sexismo estão arraigados na sociedade, essa ideia de que as mulheres não são aptas a tomar o poder”, embora sejam a maioria da população brasileira.

“Mulheres não veem outras mulheres nesses espaços políticos e não são instigadas a participar da vida política”, fala a socióloga e aponta o tempo feminino ocupado pelo cuidado e atividades domésticas.

Violência política

Entre os principais desafios, o mais dramático é a violência que atravessa a vida das mulheres que disputam cargos eletivos. O problema surge, além da questão física, em ataques de cunho psicológico e patrimonial.

“Todas essas expressões da violência política de gênero inibem a representação política das mulheres, tanto as que já ocupam espaços de poder quanto as que almejam ocupar esses espaços. Por isso, não basta criar mecanismos punitivos da violência política de gênero, como prevê a legislação sobre o tema aprovada em 2021. É preciso ir além, criando mecanismos de prevenção e educação para que chegue o dia em que nenhuma mulher tenha medo de entrar para a política”, diz Sanchez.

Galetti argumenta a existência de um “pânico moral” e medo de ocupar os espaços políticos, ainda mais com os “tristes exemplos” vistos nos últimos anos, como a morte da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro. O crime segue sem solução.

Ferreti descreve o “custo pessoal muito alto” para as mulheres dentro da política. “Há também uma violência simbólica nos espaços, que faz com que seja menos confortável para elas falarem em público. Os espaços não foram construídos para esses corpos, há uma sensação de ‘não lugar’ o tempo todo”.

Para ela, a violência é uma “estratégia é uma estratégia de afastar desse espaço. A violência política consome um tempo e energia dos mandatos para lidar com esse assunto, então parte da agenda e da equipe é direcionada para esses fatos e rouba condições de pautar outras demandas”.

Narrativas

Ambas as especialistas se mostram otimistas com outro aumento na participação feminina nas eleições municipais de 2024. A professora de Ciência Política acredita que a demanda por maior representação de mulheres e outros grupos marginalizados, como pessoas negras, indígenas e trans, tem movido a maior capacitação desses agentes políticos.

Galetti prevê o próximo pleito como uma “disputa de narrativas” ao apontar que nem todas as mulheres eleitas, necessariamente, são aliadas às pautas femininas.

“Essas eleições vão mostrar essa disputa de narrativas. Haverá muitas mulheres concorrendo, mas não sabemos se essas mulheres são comprometidas com a agenda feministas e pautas que as perpassam”, explicou.

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