O que Bolsonaro disse à PF sobre as suspeitas envolvendo seu cartão de vacinação

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) prestou depoimento na tarde desta terça-feira (16/5) à Polícia Federal sobre as acusações de que teria fraudado o cartão de vacinação contra a Covid-19. Bolsonaro chegou à sede da Polícia por volta das 13h30, acompanhado de seus advogados Fabio Wajngarten, Daniel Bettamio Tesser e Paulo Amador Bueno, e saiu por volta das 18h.

De uma forma geral, Bolsonaro reafirmou que não se vacinou contra Covid-19, negou o conhecimento sobre adulterações em seus cartões de vacinação e de sua família. Também disse desconhecer esquemas de fraude relativos à inserção de dados no Conecte SUS, do Ministério da Saúde. Por fim, disse não saber nada sobre quem poderia ter mandado matar a vereadora Marielle Franco. O depoimento de Bolsonaro faz parte da decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou também a busca e apreensão na casa do ex-presidente, no dia 3 de maio.

Aos policiais, Bolsonaro afirmou que o seu ajudante de ordens, Mauro Cid, nunca o informou sobre esquema de inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 estabelecido na prefeitura de Duque de Caxias (RJ). Bolsonaro afirmou também que nunca inseriu dados no Conecte SUS, inclusive, sequer sabe operar o aplicativo. No entanto, admitiu que Mauro Cid administrou a sua conta no Conecte SUS até 22 de dezembro de 2022, uma vez que cabia a ele toda a gestão pessoal.

Bolsonaro reiterou que desconhece a emissão do certificado de vacinação com dados falsos em seu nome pelo Conecte SUS em 22 de dezembro e afirmou que, pelo horário do acesso ao aplicativo, ele dificilmente estaria no Palácio do Planalto. Voltou a dizer que não se vacinou contra a doença e jamais solicitou a Cid que emitisse o certificado falso.

O ex-presidente informou ainda que a filha Laura também não foi vacinada e que ele não sabe a origem do certificado de vacinação em seu nome, ainda mais em língua inglesa. Afirmou também que não sabe quem administra as contas da filha do Conecte SUS. Quando questionado sobre as viagens de Laura à Florida, nos Estados Unidos – que exige o comprovante de vacinação – Bolsonaro disse não ter certeza se a data da viagem foi entre 28 de dezembro de 2022 a 26 de janeiro de 2023, mas possivelmente as viagens ocorreram nas respectivas datas.

Bolsonaro disse ainda não saber quem poderia ter acessado o Conecte SUS do Palácio do Planalto. Sobre a mudança do e-mail de cadastro do ex-presidente no Conecte SUS de Mauro Cid para o e-mail de Marcelo Câmara, militar da reserva, o ex-presidente relatou que a mudança ocorreu porque Mauro Cid deixou a assessoria pessoal em 31 de dezembro de 2022 e passou as atribuições a Marcelo Câmara.

Sobre o áudio do militar da reserva e ex-candidato a deputado estadual Ailton Barros (PL-RJ) dizendo que sabe quem mandou matar a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), Bolsonaro também negou que Mauro Cid tenha compartilhado com ele qualquer informação a respeito.

Mauro Cid: fio condutor das investigações até Bolsonaro

Segundo informações trazidas na decisão de Moraes e no relatório da própria Polícia Federal, a investigação sobre a possível falsificação das carteiras de vacinação começou a partir de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e chegou ao ex-presidente.

Após o afastamento do sigilo telemático de Mauro Cid, no inquérito 4.878 – que trata do vazamento de dados da Polícia Federal – a PF, ao concluir a investigação, encaminhou as mídias que continham o material obtido da quebra de sigilo telemático, e realizou um relatório a partir do material. Assim, foi instaurada a PET 10.405, que passou a investigar a fraude nos cartões de vacinação, no âmbito do STF.

A partir do material, verificou-se que Mauro Cid solicitou apoio do então integrante da Ajudância de Ordens da Presidência da República, sargento Luis Marcos dos Reis, para obter um cartão de vacinação preenchido com doses da vacina contra a Covid-19 em nome de sua esposa, Gabriela Santiago Cid.

Os dados analisados pela autoridade policial apontam que Reis, com auxílio de seu sobrinho, o médico Farley Vinicius Alcântara, obteve um cartão de vacinação da Secretaria de Saúde do Estado de Goiás, preenchido com duas doses da vacina contra a Covid-19, em nome da esposa de Mauro Cid. Os dados da vacina – data, lote, fabricante, aplicador – , de acordo com as mensagens de WhatsApp identificadas, foram retirados pelo médico de um cartão de vacinação de uma enfermeira que teria sido vacinada na cidade de Cabeceiras, em Goiás.

Entre os documentos encontrados pela PF a partir da quebra de sigilo telemático estava um arquivo que consistia na digitalização de um “CARTÃO ARQUIVO DE VACINAÇÃO” do Sistema Único de Saúde da Secretaria de Estado de Saúde do Governo de Goiás, em nome da esposa de Mauro Cid.

Na sequência, a Polícia Federal, após autorização judicial do STF, requisitou os dados de vacinação de Gabriela Cid e a relação das pessoas vacinadas na Unidade Básica de Saúde localizada na cidade de Cabeceira. Em resposta, o Ministério da Saúde informou que a esposa de Cid não possuía vacinas administradas na Unidade Básica de Saúde da cidade goiana.

A PF também informou que Mauro Cid foi inserir os dados de vacinação falsos em nome de sua esposa no sistema ConecteSUS do Ministério da Saúde, com a finalidade de obter o certificado de vacinação contra a Covid-19. Para isso, Mauro Cid solicitou auxílio ao Segundo-Sargento do Exército Eduardo Crespo Alves.

As mensagens de áudio demonstram que Eduardo Crespo Alves iniciou a inserção dos dados falsos de vacinação contra a Covid-19 em favor de Gabriela Cid no sistema do Ministério da Saúde. No entanto, mensagens seguintes revelaram que Eduardo estava com dificuldades de inserir os dados de vacinação no sistema.

A Polícia Federal ressaltou que, diante da dificuldade reportada pelo militar Eduardo Crespo em conseguir inserir os dados falsos nos sistemas do Ministério da Saúde, Mauro Cid solicitou o auxílio do advogado e militar da reserva Ailton Gonçalves Moraes Barros.

A partir de prints de tela, troca de códigos de verificação e mensagens de Whatsapp, a Polícia assim acrescentou: “a análise constante no RAPJ 049/2022, identificou mensagens de WhatsApp enviadas por Ailton Barros para Mauro Cid, no dia 30/11/2021, em que fica evidenciada a consciência e vontade dos investigados em inserir os dados falsos nos sistemas do Ministério da Saúde”.

A Polícia Federal também informa que dados colhidos na quebra de sigilo telemático e decorrentes das informações encaminhadas pelo Ministério da Saúde e pela Secretária de Governo Digital indicam a participação de outras pessoas no esquema criminoso: o ex-vereador do Rio de Janeiro, Marcello Moraes Siciliano e Marcelo Fernandes de Holanda.

Após a constatação do esquema de Mauro Cid, a Controladoria Geral da União (CGU) encaminhou possível ocorrência de inserção de dados falsos no sistema de informação do Ministério da Saúde, especificamente dados sobre vacinação contra a Covid-19 em nome do ex-presidente da República. Então foi iniciada a investigação sobre o certificado de vacinação de Bolsonaro e chegou-se à conclusão que o ex-presidente não esteve na cidade em que teria sido vacinado.

Após a data de inserção dos dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde, o usuário associado ao ex-presidente Jair Bolsonaro emitiu o certificado de vacinação contra a Covid-19, por meio do aplicativo ConecteSUS. Depois, o aplicativo foi acessado de um endereço eletrônico pertencente à Presidência da República, cadastrado no Palácio do Planalto e no dia 30 de dezembro de 2022 – data da partida de Bolsonaro para os Estados Unidos – foi utilizado pelo terminal telefônico cadastrado em nome de Mauro Cid.

De acordo com a PF, “não se evidenciou qualquer fato suspeito relacionado à utilização indevida do usuário do ex-Presidente da República, por terceiros não autorizados, para acessar o aplicativo ConecteSUS. Pelo contrário, os elementos informativos colhidos demonstraram coerência lógica e temporal desde a inserção dos dados falsos no sistema SI-PNI até a geração dos certificados de vacinação contra a Covid-19, indicando que JAIR BOLSONARO, MAURO CESAR CID e, possivelmente, MARCELO COSTA CAMARA tinham plena ciência da inserção fraudulenta dos dados de vacinação, se quedando inertes em relação a tais fatos até o presente momento”.

Acrescenta a autoridade policial: “Tais condutas, contextualizadas com os elementos informativos apresentados, indicam que as inserções falsas podem ter sido realizadas com o objetivo de gerar vantagem indevida para o ex-presidente da República JAIR BOLSONARO relacionada a fatos e situações que necessitem de comprovante de vacinação contra a Covid-19. Conforme exposto, a própria alteração cadastral de e-mail da conta “GOV.BR” de JAIR BOLSONARO foi realizada no contexto das inserções falsas e gerações de certificados ideologicamente falsos”.

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